Governo e PS advertem o PSD
O Governo decidiu revogar o regime forfetário do IVA e não utilizará a autorização legislativa sobre pagamentos por conta do IRS, embora este último mecanismo se conserve em relação ao IRC. Apesar de António Guterres ter evidenciado o espírito construtivo assumido pelo seu Executivo em termos de receptividade a propostas alternativas, deixou bem claro, porém, que os referidos compromissos em matéria fiscal apenas terão sentido se o maior partido da Oposição não desvirtuar o Orçamento de Estado em sede de especialidade. A regra para eventuais alterações ou emendas a introduzir ao Orçamento, sublinharam também o ministro Sousa Franco e Francisco Assis, requer consenso mútuo entre o PS e o PSD.
Com os votos favoráveis do PS e a abstenção do PSD, o Orçamento de Estado de 1998 foi aprovado sexta-feira passada na generalidade. No discurso de abertura, o primeiro-ministro realçou a sua vontade firme de estabilidade política no país, tendo, para o efeito, correspondido «às preocupações expressas» por outras forças políticas, «sem desvirtuar o actual Orçamento e sem pôr em causa os princípios essenciais de justiça fiscal e do combate à fraude». Mas, este espírito construtivo evidenciado pelo Governo, como realçou António Guterres, «só tem sentido num quadro de inteira previsibilidade na votação na especialidade, o que implica uma regra de consenso mútuo entre os grupos parlamentares que viabilizaram o Orçamento, na aceitação de quaisquer outras emendas».
Idêntico apelo ao sentido de responsabilidade do PSD seria ainda transmitido momentos antes da votação na generalidade, sexta-feira passada, tanto por Francisco Assis, como por Sousa Franco. O ministro das Finanças fez questão de frisar que, «se o Governo mantém, por atitude permanente e também por imposição da larga maioria relativa que o apoia, disponibilidade para negociar as votações de especialidade», espera-se «do sentido de responsabilidade das oposições que mantenham semelhante abertura para, nessas votações, não descaracterizarem este Orçamento». Para Sousa Franco, «a votação na generalidade implicou que a especialidade melhore o Orçamento, em negociação com o Governo que o vai executar, mas que não o descaracterize, pois de outra forma estar-se-ia a impossibilitar o Governo de governar através de uma moção de censura prática».
Minutos antes da intervenção de Sousa Franco, já o presidente do Grupo Parlamentar do PS havia recordado que, de acordo com a generalidade dos estudos de opinião, uma crise política e a realização de eleições antecipadas beneficiariam os socialistas e o Executivo, permitindo mesmo um resultado de maioria absoluta. No entanto, com a realização de eleições antecipadas, «perderia o país». Por isso, segundo Francisco Assis, entre os interesses eleitorais e a salvaguarda da estabilidade política em Portugal, o Governo, ao adoptar uma atitude construtiva no debate do Orçamento de Estado de 1998, «demonstrou colocar os interesses de Portugal acima dos interesses específicos partidários. Por nós o país está sempre primeiro», disse, antes de desafiar o maior partido da oposição a seguir semelhante opção.
Ao apresentar o Orçamento de Estado de 1998, o primeiro-ministro sublinhou que as funções sociais, no próximo ano, «irão representar mais de metade da despesa total do Estado», traduzindo preocupações «fundamentais» com a Educação, a Saúde, a Segurança Social, a Habitação e a Cultura. Em 1995, comparou, estes mesmos sectores representavam 48,7 por cento da despesa, contra 54,6 por cento actualmente. Encerrando este capítulo, António Guterres comentou depois o facto de a vertente do rigor económico «ter existido em toda a Europa nos últimos dois anos». Contudo, «o que imprime a nossa marca é a consciência social», concluiu. «Este é um Orçamento de solidariedade social, com mais de 2900 milhões de contos atribuídos a finalidades sociais, 9,3 por cento acima da estimativa de execução para 1997», disse.
Entrando num capítulo extremamente embaraçoso e desagradável para a bancada social-democrata, o chefe do Governo disse já ser hoje possível comparar-se os resultados de três orçamentos elaborados pela Nova Maioria com os últimos três anos de funções de Cavaco Silva. Ora, de forma objectiva, verifica-se que foram os últimos três anos aqueles que se tornaram decisivos para a adesão do país à moeda única, quer quanto aos critérios de convergência quer no respeita ao crescimento da economia e do emprego no país. No défice global do sector público administrativo, de acordo com as regras de contabilidade normalizada pelo Eurostat, de 1993 para 1995, o défice só se reduziu três décimas. De 1995 para 1996 baixou de 5,8 por cento para 3,2 por cento. E Portugal espera agora chegar aos 2,5 por cento em 1998. Também na componente da dívida pública, nos três últimos anos de «cavaquismo», subiu de 63,1 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) para 65,5 por cento. Com a chegada dos socialistas ao Governo, a dívida pública mudou de trajectória e começou a descer, sendo previsível que permanecerá nesta tendência. Outra diferença significativa é a do diferencial de taxas de juro entre os empréstimos dos estados alemão e português a 10 anos, expressos respectivamente em marcos e escudos. Em 1993, os portugueses pagavam mais 3,08 por cento; em Outubro de 1995, a diferença era de 4,75 por cento. Na semana passada, todavia, após dois anos de Executivo socialista, a diferença é de apenas 0,38 por cento. «Ai está a confiança dos mercados no futuro da nossa economia», sublinhou.
A partir destes dados, António Guterres respondeu também a recentes declarações proferidas por Cavaco Silva, lembrando ao país que, num momento em que «todos reivindicam para si os méritos do caminho para a moeda única, é bom pôr os pontos nos is e dar o seu a seu dono».
«Manda a verdade que se reconheça que, em relação a dois dos cinco critérios de convergência de Maastricht, estabilidade cambial e redução da inflação, se pode falar de uma verdadeira continuidade do actual período em relação ao passado. Mas forçoso é reconhecer que nos três domínios défice, dívida e diferencial das taxas de juro a longo prazo, os outros três critérios de convergência, o impulso decisivo foi dado por este Governo», salientou. Logo a seguir, no entanto, o chefe do Governo ainda teve a oportunidade de demonstrar que indicadores mais impressionantes, porque melhor demonstram a diferença entre o «cavaquismo» e o Governo «rosa», resultam de dados referentes ao crescimento económico, ao emprego e ao investimentos. Em todos estes níveis, também a sua equipa superou largamente os resultados obtidos pelo seu antecessor.
Com o PSD sem especiais argumentos para contrariar os dados avançados, apesar de Marques Mendes ter ensaiado uma tímida e incoerente defesa do «cavaquismo», o primeiro-ministro, em resposta ao líder parlamentar social-democrata, ainda lembrou o enorme peso da herança que recebera do anterior Governo. «O país sofreu uma perigosa derrapagem em 1993». Uma derrapagem que «poderia ter comprometido a adesão do escudo à moeda única», advogou o líder socialista. Depois, realçou a diferença de atitudes entre o passado de Cavaco Silva e o actual Executivo socialista. António Guterres reconheceu com humildade os múltiplos problemas sociais ainda existentes em Portugal -- isto, apesar da melhoria generalizada conseguida para as famílias nos últimos dois anos. Mas, a seguir, comentou, ainda dirigindo-se a Marques Mendes: «Nós sentimos os problemas da pobreza e do desemprego. Os senhores, do PSD, é que a negavam».
Igualmente com vantagem nítida para o chefe do Governo decorreu o debate directo com o presidente do PP. Quanto às previsões pessimistas adiantadas por Manuel Monteiro em relação à presença de Portugal no «Euro», o secretário-geral do PS desmontou essa técnica de andarem os dirigentes deste partido a anunciarem a iminência de crises, para depois não se confirmarem e as adiarem para um período posterior. Idênticas previsões, feitas pelo PP, lembrou António Guterres, já se aplicavam ao processo de convergência do país para a moeda única. Outra acusação do líder do PP, segundo a qual o Governo havia cedido aos interesses dos presidentes do governos regionais da Madeira e dos Açores, o primeiro-ministro contrariou esta perspectiva conspirativa da política e foi claro em afirmar que a Lei das Finanças Regionais «representa um compromisso eleitoral do PS» e, de uma vez por todas, permite abdicar-se de todos os processos negociais, onde, aí sim, podem emergir «riscos de chantagem política». Ou seja, a Lei das Finanças Regionais «representa uma reforma estrutural do Estado».
Finalmente, na resposta ao líder dos comunistas, António Guterres revelou-se demolidor. Desmentiu que alguma vez tivesse importado a «tese do oasis», tão famosa ficou no tempo do «cavaquismo». Depois, disparou: «O problema não é a teoria do oásis. O problema é que, para o PCP, há sempre a teoria do deserto. Todos os anos os comunistas dizem a mesma coisa. Sempre que se discute um Orçamento de Estado adoptam a mesma atitude. Para o PCP -- acrescentou --, está sempre tudo errado». os comunistas «dizem sempre a mesma coisa haja chuva, ou haja sol. Para o PCP, há sempre granizo».
Partindo destas acusações, o primeiro-ministro deixou ainda um recado a Carlos Carvalhas. Por usar sistematicamente a mesma estratégia de destruição, o PCP, como eventual parceiro negocial, «perde toda a credibilidade para discutir qualquer tema económico. Mesmo que, por milagre, todos os portugueses estivessem empregados, o PCP continuaria a bramar contra o desemprego».
Uma referência final deixaria ainda o chefe do Governo para o
Partido Ecologista «Os Verdes». Após uma intervenção
da deputada Isabel Castro, António Guterres confessou
que «Os Verdes» portugueses são os ecologistas «mais
cinzentos» que conhece em toda a Europa.
Cravinho e Marçal Grilo
Os ministros João Cravinho e Marçal Grilo explicaram, na semana passada, na Assembleia da República, os principais critérios do Governo na aplicação do próximo Plano de Investimentos da Administração Central (PIDDAC). Tanto o titular da pasta da Educação, como o responsável pelo sector do Equipamento, Planeamento e Administração do Território advogaram a ideia de um Estado de qualidade, em alternativa aos anos de quantidade dos governos «laranja». Marçal Grilo sublinhou a aposta na qualidade, enquanto João Cravinho apontou como prioridade o combate às assimetrias regionais.
«Hoje em dia, a grande tarefa política que o país enfrenta é o varrimento dos corporativismos, velhos e novos, instalados à sombra desse Estado de Quantidade, para dar lugar à libertação da iniciativa e de criatividade dos portugueses, sem discriminação do estrato ou território, apoiado pelo poder mobilizador de um Estado de Qualidade igualmente atento aos deveres inalienáveis de solidariedade e coesão entre gerações e entre populações espalhadas por todo o país». Foi desta forma que João Cravinho, na Assembleia da República, estabeleceu as diferenças entre os planos de investimento dos governos de Cavaco Silva, que só olhavam a uma lógica quantitativa, e as opções seguidas pelo actual Executivo socialista, que apostam sobretudo em valores de qualidade.
Na mesma linha de João Cravinho, discursaria depois o ministro da Educação, garantindo que, no próximo ano, haverá um aumento de 25 por cento nas despesas com projectos de inovação e qualidade. Apontou, como exemplos, o Programa Boa Esperança (a valorizar as boas práticas, a articular experiências e a incentivar transformações positivas), assim como os programas «Nónio -- Século XXI» e das bibliotecas e mediatecas escolares.
«Trata-se de dar vida e alma à qualidade, através da motivação e da mobilização das comunidades educativas, em nome da exigência, do rigor e da capacidade de organização», explicou Marçal Grilo. Logo a seguir, lembraria que não basta investir mais. «É fundamental que o esforço excepcional que está a ser feito na construção de escolas ou na sua substituição, ampliação e reparação, com 154 empreendimentos nos últimos dois anos, tenha correspondência em autonomia, responsabilidade e exigência acrescida nos objectivos e nas práticas», disse.
Outra ideia que esteve sempre presente em todas as intervenções proferidas por membros do Governo, relacionou-se com o combate às desigualdades regionais e com o fim da lógica centralista de gestão do país. Como reconheceu João Cravinho, as assimetrias regionais «são à partida muito fortes» no plano do produto e da demografia. A política do Governo, no entanto, «inclina-se inequivocamente para combater as assimetrias originadas em potenciais de produção não aproveitados, em desigualdades de acesso ao rendimento e em diferenças de oportunidade face aos indicadores de bem-estar». Por esta razão, o ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território preconizou a tese de que «as comparações relevantes não se centram no plano do Produto Interno Bruto per capita a nível regional, mas sim no plano das assimetrias regionais de rendimentos e níveis de bem-estar». E nesses dois planos o Governo está a contribuir poderosamente para reduzir desigualdades entre as regiões portuguesas, através do Quadro Comunitário de Apoio, do Plano de Investimentos da Administração Central e do investimento privado suscitado ou apoiado pelo Governo.
Procurando provar ser este o caminho seguido pelo Governo, João
Cravinho apresentou como prova «o caso das acessibilidades a
lançar em 1998, quer pela Junta Autónoma de Estradas directamente,
quer através de concessões. A quase totalidade desse investimento
será feito fora de Lisboa, no Centro, no Norte e no interior».
De acordo com este membros do Governo, «nos próximos quatro
anos, mais de mil milhões de contos serão lançados
nesse combate de inversão das tendências dos governos anteriores,
todos eles a favor da concentração do investimento público
em Lisboa».