Guterres em Angola
Falando de improviso perante a Assembleia Nacional de Angola, anteontem, durante o seu segundo dia de visita oficial, o primeiro-ministro português fez um brilhante discurso a favor da manutenção da paz no continente africano, tendo sublinhado as virtudes e a universalidade dos valores inerentes a qualquer sistema democrático. A intervenção do chefe do Governo, seria, de resto, longamente aplaudida por parte dos deputados do MPLA e da UNITA.
António Guterres, entre outros aspectos, lembrou que «é pela legitimidade do mandato parlamentar» que, na qualidade de primeiro-ministro, podia representar Portugal em Angola. «O Parlamento é o santuário da Democracia. E a Democracia é um conceito indivisível e indissociável do Estado de direito, do pluralismo e do respeito pelos direitos humanos», disse. O primeiro-ministro também não perdeu a oportunidade para transmitir a sua convicção de que «a Democracia é a única forma dos povos se organizarem num mundo moderno e em paz». Já no que concerne às relações diplomáticas entre Portugal e Angola, afastou-se claramente do tipo de «negócios de ocasião», de curto prazo, mas que não servem para aproximar dois povos irmãos.
António Guterres chefia uma delegação que, para além de integrar alguns dos mais dinâmicos quadros empresariais do país, conta ainda com a presença dos ministros Jaime Gama, Jorge Coelho, João Cravinho, Marçal Grilo, Augusto Mateus e oito secretários de Estado.
Na segunda-feira, em Luanda, o chefe do Governo angolano, França
Van-Dunen, considerou a visita de António Guterres e
da comitiva portuguesa como uma lufada de ar fresco para o aprofundamento
das relações diplomáticas entre os dois países.
António Guterres, por seu turno, classificou o seu homólogo
angolano como um amigo de Portugal, tendo demonstrado a sua convicção
na possibilidade de ocorrer dentro em breve uma viragem histórica
na cooperação entre portugueses e angolanos.
Abolição de portagens no Oeste
O ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território alertou todos os partidos da Oposição para as perigosas consequências de uma eventual eliminação das portagens entre Torres Vedras e o Bombarral. Na Assembleia da República, na semana passada, João Cravinho deixou bem claro que uma medida populista e demagógica nesse sentido irá fazer perder ao Estado 17 milhões de contos por ano, afectando, inevitavelmente, um conjunto de obras públicas a realizar na região. Cravinho provou, igualmente, que o Governo de Cavaco Silva e o ex-ministro Ferreira do Amaral defenderam uma solução com portagens, tal como no presente o Executivo de António Guterres.
Ao longo de um aceso debate, o ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território desmontou todos os argumentos avançados por deputados do PSD, do PP e do PCP. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, António Costa, por seu turno, transmitiu a disponibilidade do ministro para aprofundar a discussão e a análise do problema em sede de comissão parlamentar. Mas os deputados laranja, numa atitude irresponsável, procuraram agendar o mais rapidamente possível a votação de um projecto de lei sobre esta matéria. Após uma série de desculpas sem qualquer fundamento, José Junqueiro, vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS, aproveitou para sublinhar que, até ao presente, nunca a bancada do maior partido da Oposição havia solicitado a presença do ministro para debater, em sede de comissão, a questão das portagens na auto-estrada do Oeste.
Entre outros importantes esclarecimentos, João Cravinho negou que o valor das indemnizações atribuídas aos proprietários dos terrenos tivesse sido mais baixo entre Torres Vedras e Bombarral, do que no troço da auto-estrada entre Loures e Malveira, desmentindo, assim, haver qualquer atitude menos correcta em relação às populações. Depois, colocou o dedo na ferida, lembrando declarações do ex-ministro Ferreira do Amaral, proferidas à Rádio Oeste, em Agosto de 1991, onde este responsável do PSD defendia uma solução exactamente idêntica àquela que preconiza hoje a equipa de António Guterres. Para o efeito, foram apresentadas cassetes e documentos onde Ferreira do Amaral afirmava o seguinte, especificamente no que respeita à auto-estrada do Oeste: «Isto é uma auto-estrada de facto. Inicialmente pensou-se numa via-rápida, mas eu não considero isso bem, porque não teria meios de exploração. É uma auto-estrada, uma auto-estrada de luxo, para as pessoas poderem andar confortavelmente». Comentava ainda Ferreira do Amaral que uma obra daquele género «é muito cara. Não me pareceria justo que na auto-estrada de Penafiel, ou na do Estoril, ou em outras auto-estradas, os utentes pagassem portagens e nesta não. Não havia razão nenhuma para isso». Mas o ex-membro do Governo de Cavaco ainda adiantava outra razão: «Como se sabe, se este é apenas o primeiro passo de uma auto-estrada mais comprida, que vai seguir para o Oeste, e se ficássemos amarrados à ideia de que isto seria uma via rápida, mais tarde não poderíamos continuar em auto-estrada. Por regra, as auto-estradas pagam portagens, o que não pode deixar de ser.»
Destas declarações proferidas por Ferreira do Amaral, o Grupo Parlamentar do PSD nunca se conseguiria libertar até ao final do debate. O próprio Ferreira do Amaral pediu a palavra, mas para procurar explorar questões laterais e não para desmentir essas declarações, que, de resto, demonstram as contradições, a irresponsabilidade e a demagogia dos deputados laranja neste «dossier», em concreto. Por esta razão, o ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território não hesitou em concluir que, na verdade, «se o ridículo matasse, os deputados do PSD não sairiam vivos» do Parlamento.
Para João Cravinho, o pedido de abolição de portagens, entre Torres Vedras e o Bombarral, não tem qualquer razão de ser. Se a concessão das portagens do Oeste, por acaso, vier a ser anulada, então, salientou, os prejuízos para o desenvolvimento do País e daquela região serão gravísssimos. Por ano, o Estado perderá cerca de 17 milhões de contos, vendo-se impossibilitado de concluir rapidamente um conjunto de outras infra-estruturas rodoviárias fundamentais. Em primeiro lugar, terá de esperar mais algum tempo a ligação entre esta auto-estrada e Santarém. Mais grave, ainda, no caso da Ota ser escolhida para receber o novo aeroporto internacional, todo o conjunto de novos acessos terá de ser suportado pelo Orçamento de Estado, ou seja, pelos impostos dos portugueses. Ora, de acordo com os cálculos deste membro do Governo, tal representará um prejuízo na ordem dos 100 milhões de contos.
Mas João Cravinho apresentou ainda outro argumento poderoso, desmentindo que tenha sido o Governo socialista o primeiro a iniciar uma estratégia de abolição de portagens. No caso das portagens da Circular Regional Externa de Lisboa e de Ermesinde, eliminadas por este Governo, essas medidas justificaram-se por se tratarem de vias suburbanas. Com essas decisões, tanto a Área Metropolitana de Lisboa, como o Grande Porto, ficaram libertos de trânsito no interior das suas cidades. Já no caso da portagem entre Lisboa e Alverca, o ministro recordou que foi Ferreira do Amaral, precisamente, quem a retirou. «Quem começou a tirar portagens foi o vosso Governo, antes das eleições legislativas de 1995», denunciou João Cravinho, dirigindo-se à bancada do PSD.
Durante o debate parlamentar, o ministro do Equipamento fez ainda questão de alertar os partidos da Oposição para um outro dado extremamente importante. Entre Leiria e Lisboa vão existir dois corredores paralelos de auto-estradas, ambos com as mesmas características geométricas. Por estas razões, perfeitamente objectivas, as duas auto-estradas «devem possuir o mesmo regime de exploração».
Finalmente, num documento distribuído pelo Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, alerta-se ainda para uma outra perigosa consequência, esta com incidência na credibilidade internacional do País. «Cada um dos quatro consórcios que concorreu à concessão da portagem do Oeste terá gasto na elaboração das propostas (que incluem projectos rodoviários, estudos de tráfego, estudos de impacto ambiental, análises financeiras) várias centenas de milhares de contos.» Desta forma, a partir do momento em que as portagens sejam abolidas, estes consórcios, constituídos por grupos económicos nacionais e internacionais, «não deixarão de ter uma justificada relutância para, de novo, tentar investir na região e até no País, sobretudo, no caso dos grupos financeiros internacionais. Este concurso já está na fase de apreciação de propostas. Se tudo correr bem, como está previsto, espera-se que a obra possa começar no primeiro trimestre de 1998», refere o documento.
Também dois deputados socialistas, Manuel Varges e Henrique
Neto, lembraram as graves distorções que seriam criadas
caso as portagens fossem eliminadas. Manuel Varges explicou a razão
pela qual as maiores associações empresariais da região
defendem a cobrança de portagens. Henrique Neto frisou que
a auto-estrada Lisboa/Leiria (com portagens) ficará seriamente prejudicada
em receitas, enquanto a outra, a do Oeste (sem portagens), correrá
sérios riscos de ficar congestionada.