LIBERDADE DE EXPRESSÃO 



O ANO POLÍTICO QUE AGORA SE INICIA, PROMETE!

MANUEL DOS SANTOS

Desde logo porque o que está em jogo é, agora e definitivamente, o juízo sobre a viabilidade do actual modelo de estabilidade política assente numa maioria relativa que, actualmente, vigora.

O cavaquismo marcou-nos pelo modelo da intolerância política, da ausência do diálogo e da crispação e, de algum modo, vacinou a sociedade portuguesa contra os excessos; é, contudo, evidente que esta externalidade positiva ao sistema só perdurará enquanto for possível, e na medida em que for possível, reforçar os benefícios resultantes da maioria relativa.

E é neste sentido que a estabilidade política nos próximos meses reveste características verdadeiramente estruturantes.

Tendo decorrido apenas dois anos, após a «revolução eleitoral» de Outubro de 1995 é excessivo considerar que as próximas eleições autárquicas possam transformar-se numa espécie de cartão amarelo para a política do Governo.

Aliás, em circunstâncias normais (e estabilizadas) nunca as eleições locais deviam revestir-se de características excessivamente globalizantes.

Contudo o que é manifesto, no exacto contexto actual da política portuguesa, é que o próximo acto eleitoral pode constituir uma espécie de cartão verde para a desejada estabilidade política e consequente uma validação e um reforço do modelo de maioria simples.

Por isso são estas eleições «anormalmente» importantes.

Claro que a agenda política próxima não se esgota nas eleições autárquicas e, antes mesmo da sua realização, vai estar sujeita a uma terrível prova de fogo.

Refiro-me naturalmente à discussão e aprovação da política orçamental e financeira para o próximo ano.

Os sinais são, neste aspecto, relativamente preocupantes pois, como alguns temiam, parece que a opção estratégica do PSD passa mais por uma política de terra queimada do que propriamente por uma atitude de oposição esclarecida.

Compreendem-se as dificuldades do Prof. Marcelo mas nem por isso se lamenta menos a atitude.

E o que será ainda mais dramático é o facto de toda esta guerrilha ser menos, a guerrilha pela conquista dos votos próximos e ser mais a guerrilha pelo poder no interior do PSD.

É cada vez mais evidente que o fantasma de Cavaco Silva se impõe e perturba.

Sobretudo nas questões de âmbito financeiro e na política económica.

É, também à luz deste paradigma que deve ser analisada a caricata denúncia da transferência de verbas do Fundo de Pensões do BNU para a Caixa Geral de Depósitos e consequentemente para a Caixa Nacional de Pensões e o alarmismo demagógico que lhe foi associado.

Este é um tema recorrente da política do PSD na tentativa de desgaste do Governo, diversas vezes já ensaiada e sempre esclarecida.

Retomá-la agora é também um sinal da indigência política do PSD.




O EMPREGO NA EUROPA

JOSÉ BARROS MOURA (*)

O recente debate a propósito da introdução de um novo capítulo sobre o emprego no Tratado da União Europeia, assim como a preparação da próxima Cimeira sobre o emprego, permitiram confrontar posições de fundo sobre as responsabilidades e os papéis respectivos das autoridades públicas e das forças do mercado na promoção do emprego e na luta contra o desemprego. O debate incide também, aliás em primeira linha, sobre os papéis respectivos dos Estados-membros (e das suas autarquias regionais e locais) e da UE na matéria.

A proposta de um tal capítulo foi feita pelos socialistas: o Governo sueco, o Partido Socialista Europeu e, sobre a sua influência, o Parlamento Europeu, o Governo Socialista de António Guterres e outros. Os sindicatos europeus da CES fizeram sua esta causa.

A clivagem estabeleceu-se, de facto, entre os liberais e os defensores de uma regulação pública da economia - os socialistas e o conjunto da esquerda. Os que confiam exclusivamente às forças do mercado a «criação» de empregos são os mesmos que recusam qualquer intervenção efectiva da UE e, em nome do princípio da «subsidariedade», remetem a promoção do emprego, exclusivamente, para os empregadores, a iniciativa privada, actuando em quadros jurídico-políticos e financeiros favoráveis, a criar pelos Estados-membros e pelas suas autoridades descentralizadas.

Aos poderes públicos competiria «flexibilizar» os mercados de trabalho e diminuir a carga fiscal sobre os rendimentos do capital.

Assim, a introdução finalmente conseguida do capítulo sobre o emprego é, apesar de todas as suas fraquezas e insuficiências, uma vitória clara dos que sustentam a indispensabilidade de uma intervenção pública aos diferentes níveis (local, regional, nacional e europeu), em função das respectivas competências e meios financeiros, na regulação do mercado, para garantir o emprego e a melhoria das condições de vida e de trabalho.

O que foi incluído no Tratado vai no bom sentido. Nomeadamente, o reconhecimento do emprego como uma questão de interesse comum. Ou a «vigilância multilateral» sobre as políticas nacionais de emprego. Ou a criação do Comité do Emprego, em paralelo ao Comité Monetário, com a participação dos parceiros sociais.

Mas há mais insuficiências:

- O paralelismo entre os critérios para a convergência económica, visando a passagem à moeda única, e as «performances» em matéria de emprego é incompleta. Seria, por exemplo, necessário quantificar a redução anual do desemprego, nomeadamente dos jovens, que os Estados-membros se comprometeriam a alcançar.

- A não definição de um «nível elevado de emprego» (e porque não de «pleno emprego»?!)

como «princípio director» da política económica dos Estados-membros e da UE com a mesma importância da estabilidade dos preços, das finanças públicas e condições monetárias sólidas e da sustentabilidade da balança de pagamentos.

- A não definição de objectivos concretos comuns para as políticas de emprego.

O mais negativo é, no entanto, o facto de um novo Tratado exigir a compatibilidade das políticas para o emprego com as polícias macro económicas dos Estados-membros e da União. Ora, o inverso é que seria necessário: a política macroeconómica obedecendo ao objectivo de promoção de um nível de emprego elevado. Porque é isso, exactamente, que faz falta: a aceitação pelos Estado-membros de uma coordenação vinculativa e das políticas económicas para darem uma real prioridade ao emprego.

Os critérios de Maastricht são muito discutíveis, mas necessários, atendendo às vantagens futuras da moeda única. A prática dos países que realizaram um esforço sério de ajustamento estrutural - em qualquer hipótese, indispensável por não ser concebível ao aumento indefinido dos défices públicos transferidos os sacrifícios para gerações futuras - mostra os efeitos benéficos, em termos de crescimento, da redução da taxa de juro.

Mas o rigor financeiro revela-se impeditivo de um grande esforço de investimento público a nível europeu, tal como era preconizado no Livro Branco de J. Delors sobre o Crescimento e o Emprego, indispensável para o financiamento de grandes infra-estruturas e projectos de desenvolvimento científico e tecnológico, de interesse comum, que contribuam ao mesmo tempo para impulsionar o crescimento, sem o qual não aumentará o emprego. A proposta de emissão de Obrigações europeias («Eurobonds») para financiar os grandes projectos sem o agravamento do défice público dos Estados deveria resultar de uma efectiva vontade de dar prioridade ao emprego.

É também verdade que o desemprego é um problema estrutural associado aos processos de crescimento, às reestruturações decorrentes da revolução tecnológica e da concorrência crescente a nível mundial no quadro liberal da OMC. Eis, então, a razão para uma intervenção mais firme dos Estados para:

- Apoiar as formações e as reconversões profissionais, com base num sistema de formação contínua;

- Apoiar financeiramente o emprego dos jovens e dos desempregados de longa duração garantindo que não possa ficar (ou continuar) no desemprego quem quer que tenha obtido uma formação profissional.;

- Apoiar a criação de novos empregos ligados a uma nova organização da vida social e da produção e ao desenvolvimento dos serviços públicos e sociais (saúde, educação, protecção social, desporto, cultura, património, etc.) - o que implica salvaguardar, reformando-o, mas alargar, o Estado Social.

O crescimento depende também, e decisivamente, do consumo que seria ainda mais reduzido se continuassem as políticas de contenção dos salários e custos sociais através da desregulação social e da precarização de emprego numa «linha de americanização» das relações de emprego que alguns tentam impor a nível europeu em nome da necessidade de «flexibilização» dos mercados de trabalho. Isto é, o crescimento e o emprego passam, também, por uma Europa Social, de harmonização no progresso. A coordenação das políticas nacionais e a dimensão europeia são indispensáveis para garantir a eficácia, numa estratégia de interesse comum, e sem prejuízo das regras da concorrência e da coesão económica e social, de aspectos tais como: a redução do tempo de trabalho e das horas extraordinárias e partilha do emprego; a redução da carga fiscal e dos encargos sociais sobre o trabalho e a harmonização fiscal sobre os rendimentos do capital; a política industrial e a investigação cientifica e tecnológica.

É, porém, inaceitável, a perspectiva de, em nome do alargamento a Leste, reduzir os fundos de coesão económica e social sem os quais aumentará o desemprego nas regiões com atrasos estruturais afectadas pelas reestruturações induzidas pelo mercado único e pela moeda única.

Uma UE forte e determinada a defender o emprego e o modelo social europeu é também primordial no plano das negociações comerciais no quadro da OMC, não sendo admissível que persista sem controlo a política ultraliberal da Comissão.

(*) Eurodeputado socialista - intervenção no Seminário do PSE sobre a Europa Social, Estrasburgo, 19/09/97