LIBERDADE DE EXPRESSÃO 



6ª FILA

MANUEL DOS SANTOS

Os inquéritos parlamentares constituem uma das mais importantes actividades que são desenvolvidos pelos Parlamentos.

Tão importantes que, em todos eles, são sujeitos a regras e procedimentos especiais destinados a salvaguardar a completa liberdade dos inquiridores e a facilitar o apuramento dos factos em apreciação.

Exemplo destas regras especiais são, por um lado, o estatuto dos próprios deputados na Comissão que as torna totalmente independentes de qualquer disciplina partidária e, por outro lado, a definição de regras de sigilo e de processo a que os inquéritos ficam sujeitos.

Em certos parlamentos a votação do relatório final implica mesmo uma maioria qualificada (2/3 ou 3/4), o que reforça o objectivo de tornar o resultado final autónomo do jogo partidário; por outro lado, normalmente, a presidência da respectiva comissão é obrigatoriamente atribuída a um deputado de um grupo parlamentar da oposição.

Embora no Parlamento português também exista, como se disse, um enquadramento legislativo e regulamentar próprio (longe embora do regime prevalecente na maioria de outros parlamentos) não há dúvida que os inquéritos parlamentares não gozam em Portugal dos favores da opinião pública (que não acredita nas suas conclusões) ou da adequada apreciação da Comunicação Social (que os desvaloriza).

De uma maneira geral subsiste o juízo dominante que faz dos inquéritos parlamentares um mero jogo do antagonismo partidário, onde o que menos interessa é o resultado final que, de uma maneira geral, se considera fixado à partida.

É claro que existe alguma razão para esta posição defensiva da opinião pública, sobretudo tendo em conta os resultados praticamente nulos obtidos com a realização dos mais recentes inquéritos parlamentares.

Quando a actividade das Comissões formadas para o efeito não foi absolutamente inoperante (como sucedeu no caso Camarate), os resultados produzidos são, de uma maneira geral, a visão do problema que tem o partido do poder (como foi evidente no caso do Fundo Social Europeu, no caso Cadilhe ou no caso da privatização do Banco Totta & Açores).

Tive recentemente oportunidade de presidir à Comissão Eventual de Inquérito ao suposto acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud.

Fui deste modo um intérprete privilegiado da lógica dominante nos inquéritos parlamentares. Procurei, de resto, lutar contra essa lógica, no que não fui totalmente bem sucedido, nomeadamente quando propus, logo no início dos trabalhos, a abertura dos mesmos à Comunicação Social.

Ter-se-iam evitado as lamentáveis "fugas de informação" anónimas, mas controladas e dirigidas a objectivos de condicionamento da opinião pública na percepção do resultado final.

Mas independentemente da pressão do jogo partidário a que poucos, ainda, conseguem furtar-se, o que mais me impressionou no decurso do referido inquérito foi a cultura dominante no Parlamento, serventuária ela própria da falsa ideia de que os inquéritos para pouco servem.

Daí os comportamentos menos compreensíveis e até francamente criticáveis de alguns deputados.

O que estava em causa, no referido inquérito, era apurar se existiu acordo directo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud e, se a ter existido esse acordo directo ou um compromisso semelhante, do mesmo teria resultado ou não prejuízo para o Estado e (ou) tratamento privilegiado do empresário.

Apesar de a Comissão ter recolhido depoimentos muito importantes (e até corajosos) dos ex-governantes Braga de Macedo e Elias da Costa, acerca da matéria sob averiguação, optaram os deputados do PSD, em bloco, por uma participação passiva e, muitas vezes, obstaculizadora do andamento dos trabalhos, colocando-se numa posição defensiva, perfeitamente inadequada, por não resultar, naturalmente, dos objectivos do inquérito.

Caricata foi por exemplo a sua atitude de transformar os trabalhos do inquérito numa barganha permanente contra as nacionalizações atacando a esmo os partidos que responsabilizam por tal política.

Matéria relevante para o apuramento da verdade dos factos sob inquérito como se vê!

Na parte final gorados que foram os seus esforços de paralizar a Comissão, vieram mesmo a abandoná-la não participando na votação final das conclusões.

E afinal que é que concluiu a Comissão?

Pois bem, a Comissão concluiu:

que o acordo de que resultou o pagamento de dez milhões de contos ao empresário, foi estabelecido, realmente, entre o Governo e o Sr. António Champalimaud pouco importando para este efeito a forma jurídica de que se revestiu o compromisso;

que as empresas públicas (BPSM e CIMPOR) usadas para a concretização do acordo o foram através de uma atitude do governo configurando um facto consumado, sem que precedesse qualquer peritagem ou decisão arbitral;

que não se pode apurar se do Acordo resultou prejuízo patrimonial para o Estado;

e, finalmente, que a execução do Acordo, através de empresas públicas, foi a metodologia utilizada para o governo se furtar aos controlos jurisdicional do Tribunal de Contas e político da Assembleia da República.

Estas conclusões são perfeitamente ajustadas face ao objectivo do inquérito e face às provas testemunhais e documentais produzidas e recolhidas pela Comissão.

Dir-se-à que se trata de conclusões discutíveis... naturalmente que sim, mas essa é a regra de ouro de funcionamento democrático.

Credibilizar a figura do inquérito parlamentar não é abandonar, como o fizeram os deputados do PSD, os trabalhos da Comissão quando perceberam que não podiam controlá-los.

O clima político de 1992, quando ocorreu o acordo, caracterizado pela qualificação do Tribunal de Contas como força de bloqueio e por um sentimento de impunidade política absoluta, já não existe.

A segunda maioria absoluta do Cavaco, em 1991, é algo de que os portugueses já mal se lembram.

Ao contrário do que pensavam alguns senhores deputados da Comissão, o PSD já não está no poder.




QUE MAIO TÃO NEGRO!...

JOÃO LOURIVAL (*)

1. Decididamente, este é o Maio do meu descontentamento, direi mesmo, do meu desencanto. No plano político, o candidato oficioso do PSD à Câmara Municipal de Matosinhos dá pelo nome de Pedro Pinto. Quando li a notícia, nem queria acreditar.

Então os sociais-democratas, que sempre clamaram de forma tonitruante que «há homens de Matosinhos para ocupar o cadeirão do município», escolhem para candidato alguém que, no máximo, só por cá passou e... andou?... Ou tiveram que gramar o que lhes foi imposto e impingido pelo todo-poderoso chefe Menezes?... A mim, enquanto militante socialista, tanto se me dá como se me deu. Todavia, não alieno e muito menos hipoteco o amor pela minha terra e tão-pouco o respeito e carinho pelos meus concidadãos nascidos neste cantinho de gente do mar ou que nele encontraram o rumo das suas vidas e destinos, independentemente das cores dos sues olhos e das suas camisolas. Antes de ser socialista, sou matosinhense. Neste contexto, e só neste, tenho o direito e até o dever de manifestar a minha frustração pelo desatino da decisão, só possível porque quem a tomou se está borrifando para Matosinhos e os matosinhenses. Outrossim, cuida única e sofregamente do próprio umbigo. E porquê? Para obnubilar protagonismos dentro do contubérnio, evitando assim o ressurgimento de outros Rui(ns) Rios?... Em termos de mera expectativa numérico-eleitoral, este Pinto não cantará de galo. Mas que dizer e pensar do atestado de incompetência, quiçá de insanidade política, passado àqueles pêpêdês do nosso concelho que têm sido o suporte do partido?...Nomes como Fernando Sá - a dignidade tem custos, caro amigo? -, Artur Osório, Mariano Magina, Gomingos Silva, Magalhães Pinto e tantos outros cidadãos ilustres cá do burgo, são «velharias»? Estou para ver a pressa das explicações faladas ou escritas - venham elas que tenho muita lenha guardada...-, dizendo que estes valores matosinhenses se mostraram indisponíveis, blá, blá, blá...

De um facto estou plenamente convencido. A maioria dos que fizeram a história local do PSD/PPD não está disponível para a solução encontrada. Gente que, como eu, privilegia a sua terra e os seus valores, não deixará de considerar que esta «escolha» foi exógena à sua vontade e ao interesse de Matosinhos Quem terá esfregado as mãos de contente, cuido bem, foi o presidente da edilidade, independentemente da sua (ainda hipotética) recandidatura, o «príncipe» dos autarcas - assim aplicado em Portalegre não faz muito tempo -, já intuiu que com o adversário apontado a escolha do PS pode deixar de passar obrigatoriamente por... si: Sem embargo, a minha aposta continua a chamar-se Narciso Miranda, exactamente pelas razões aduzidas para o desencanto com a indicação laranja.

Tendo nascido pertinho da Igreja Matriz, ali à Fonte dos Dois Amigos, quero o melhor para Matosinhos.

(*) Deputado municipal de Matosinhos




ENERGIA VERDE. PAIS VERDE

JOÃO JOSÉ AGUIAR

Foi recentemente anunciada pelo Governo a instalação em Mortágua, bem no interior do país, de uma central de produção de energia eléctrica a partir de resíduos florestais (biomassa vegetal). Tratar-se-ia de uma notícia sem grande significado nacional, por ser uma unidade com uma potência de apenas 10 MW, não fosse o facto revelador de uma nova política de aproveitamento de recursos endógenos, posta em prática pelos actuais responsáveis desta área governativa.

Para além desta nova atitude perante os recursos energéticos nacionais, esta decisão irá contribuir de uma forma exemplar para a redução do flagelo dos fogos florestais durante o Verão. Para se perceber esta relação entre a utilização de uma energia renovável e residual - portanto duplamente verde - e os fogos florestais, é necessário conhecer a relação entre a limpeza das florestas e o aparecimento dos fogos.

Tenho a particularidade de ter nascido e crescido, ainda não há cinquenta anos, numa aldeia do interior norte do país onde se vivia em função da agricultura e do gado, para a alimentação, e da floresta para o aquecimento e a cozinha. Não estavam ainda acessíveis a energia eléctrica e o gás butano. Por isso todos os anos durante o Verão se procedia à limpeza das matas e à recolha de todos os resíduos florestais, necessários para o rigoroso Inverno que se seguia. E só vagamente me recordo de algum fogo de Verão.

Desde a minha saída da aldeia e vinda para a cidade fui acompanhando progressivamente a transformação nos hábitos locais, primeiro com a chegada do gás butano e depois da energia eléctrica, que levaram ao abandono do uso das lenhas no fabrico do pão e na cozinha, bem como no aquecimento e iluminação. A par disso, o decréscimo da população dos campos tornou escassa e cara a mão-de-obra para fazer a recolha dos resíduos florestais, agora desnecessária por haver produtos energéticos alternativos mais fáceis de aprovisionar e de maior densidade energética.

Esta alteração dos hábitos de vida locais levou, assim, a que os resíduos florestais, uma matéria essencial à vida das aldeias durante milhares de anos, se transformasse num problema de âmbito nacional que só a este nível pode ser resolvido.

O razoável poder calorífico e a facilidade de combustão dos resíduos florestais secos, que tão fácil tornam o acendimento e a propagação dos fogos, podem ser aproveitados para produzir energia eléctrica, levando à limpeza das matas, à redução do desemprego e à consequente redução do risco de incêndio, tornando o país mais verde. Conjugam-se assim vários factores claramente favoráveis ao aproveitamento dos resíduos florestais na produção de energia eléctrica e à recuperação das florestas para fins mais adequados - lazer, indústrias do mobiliário e papel, entre outros.

É esta visão integrada a nível nacional que permite avançar com um projecto útil, em todos os sentidos. A central eléctrica deixa de ser vista apenas pela sua economicidade intrínseca - já que produzir energia eléctrica a partir de carvão é mais barato - e passa a ser vista pela sua função global, sendo os diferenciais de custos suportados pelos benefícios que se retiram das restantes áreas - custo dos incêndios, maior produção na indústria de madeiras, etc.

Como cidadãos temos todos o dever de contribuir para a utilização das energias renováveis a partir de resíduos, sejam eles florestais ou sólidos urbanos. Queremos um país mais limpo e mais verde. As autoridades locais e nacionais saberão encontrar os mecanismos financeiros e fiscais que traduzam estas vantagens ambientais e de âmbito nacional em vantagens económicas para os vários actores intervenientes no processo. Só assim teremos energia mais verde e um país mais verde!

Junho de 97




A PROPÓSITO DE UM DEBATE

MIGUEL COELHO

Assistimos, há dias, no Viva a Liberdade de Miguel Sousa Tavares, ao primeiro debate de fundo entre os dois candidatos à Câmara Municipal de Lisboa, João Soares e Ferreira do Amaral.

Venho apenas manifestar a minha opinião no que se refere à forma e ao conteúdo da mesma.

Quanto à forma todos vimos logo à partida que João Soares, candidato da esquerda, não tinha um adversário mas sim três. O candidato da direita, Ferreira do Amaral, o líder do candidato da direita, Pacheco Pereira, e o moderador Miguel Sousa Tavares, que deixou Ferreira do Amaral abrir o debate falando cerca de 5 minutos sem qualquer tipo de interrupção e quando João Soares falou pela primeira vez, permitiu que fosse interrompido logo de início. Fez lembrar aqueles "árbitros habilidosos" que marcam tudo para o mesmo lado a meio campo com o intuito de enervar a equipe que se quer prejudicar. Também quanto à forma, João Soares esteve mais tenso que Ferreira do Amaral. Mas vamos ao conteúdo.

Todo o debate foi gasto a julgar a gestão da Coligação e do próprio João Soares. Foi a primeira vitória do candidato do PS. Provou que Lisboa, a Câmara Municipal, tem obra à vista. Na habitação, no trânsito, infra-estruturas viárias, na cultura, no social, enfim, em todas as áreas relevantes para o bem-estar e felicidade dos cidadãos.

Soares não tem que se envergonhar com a sua obra. Obviamente imperfeita. Obviamente ainda inacabada. Daí a necessidade da sua reeleição. Mas a obra está lá e o candidato da direita foi obrigado a admiti-la, sem alternativas.

O Bairro do Relógio desapareceu! O Bairro da Boavista já não tem barracas! O Padre Cruz já não tem as famigeradas casas de lusalite! A Horta Nova idem aspas. Só tenho pena que João Soares não tenha dito - certamente por pudor - que Ferreira do Amaral só se lembrou que existia um grave problema de habitação em Lisboa quando Mário Soares aqui fez a sua célebre Presidência Aberta.

Criticou-se o trânsito e as infra-estruturas. Mas os parques de estacionamento aí estão. Os parquímetros são um sucesso que justificam um aumento razoável da bolsa de lugares rotativamente livres para o estacionamento. Túneis e viadutos estão à vista.

O que nos disse o candidato da direita? "Vou gerir melhor, vou fazer melhor". Candidato que se preze tem que dizer isso, mas em rigor, não nos disse mais nada a não ser que tirava um contentor da doca de Santos. É pouco para Lisboa.