LIBERDADE DE EXPRESSÃO 



CARTA A FRANCISCO ASSIS

Eurico Figueiredo

Tive a confirmação pelo jornal "Expresso" que a Juventude Socialista se preparava para apresentar projectos de legislação num série de questões, ora divergindo de compromissos do governo como na questão do aborto (onde o nosso compromisso é o de tornar funcional a lei de interrupção da gravidez, em todo igual à Espanhola, quando em Espanha funciona) e na área da chamada droga (onde o nosso compromisso é o de aumentar a repressão e agravar as penas dos traficantes, o que, de facto, não tem sido eficiente noutros países), ora propondo-se inovar na área das uniões de facto.

É certo que os partidos da oposição pretendem criar dificuldades ao Partido Socialista desviando a atenção dos Portugueses para áreas que não estão nos objectivos prementes do nosso partido. Tendo sido afirmado várias vezes e em várias instâncias directivas do PS que, entre estas prioridades, se destacam a questão da moeda única e da regionalização. Para os partidos que se opõem a estes desígnios nada melhor do que avançar com projectos de legislação que dividem profundamente o nosso partido e ainda mais o nosso eleitorado. Sabendo de antemão que haverá sempre no Partido Socialista quem se procure afirmar a partir de dicotomias artificiais entre "bons" e "maus" socialistas, "esquerda" e a "direita", católicos e não católicos. Estes estarão sempre dispostos para dar cobertura, dividindo-nos, aos desígnios dos outros partidos. Quando, a nível parlamentar, a resposta que merece quem apenas nos procura dividir, deveria ser a pura e simples rejeição dos seus projectos. Mas há muitos deputados que parecem ainda não terem compreendido que somos um partido de governo que tem objectivos de governação a cumprir, vitais para os interesses do nosso pais.

Voltando aos factos: a Juventude Socialista propõe-se intervir em áreas que, para além do já referido, são extremamente controversas, não havendo, para algumas, tradição no nosso partido de as encarar segundo ópticas não convencionais. Já afirmamos que, para já, consideramos inoportuno o seu debate a nível parlamentar. Já referimos que no actual contexto, seja qual for o nosso voto, vamos dividir profundamente o nosso eleitorado. Tudo isto já aconteceu no debate sobre o aborto do ano em curso. Mas não podemos, todavia, negar-lhes importância, sobretudo ao debate sobre a "droga", quando a via proibicionista põe em causa não só o próprio regime democrático, como também a saúde e a vida de milhões de seres humanos a nível mundial. Como sabes dei um contributo pessoal relevante para tornar irrecusável o debate nesta área.

Acontece que tendo em conta as notícias vindas a público, o denominador comum da perspectiva da Juventude Socialista nos diferentes domínios referidos, é o da lógica da irresponsabilidade, na boa tradição do que na minha juventude se chamava de "esquerda festiva". Liberalização no domínio do aborto, quando só por si a problemática da SIDA aconselha à necessidade de desenvolver o sentido da responsabilidade no domínio da sexualidade, e dar direitos ao feto faz-se na defesa dos interesses da nossa espécie e das gerações futuras; despenalização do consumo das drogas ilegais, medida fácil que vai transformar cada consumidor num traficante e, para regozijo das máfias clandestinas, provocar a explosão (ainda mais) do consumo; dar direitos às relações de facto sem, aparentemente, e numa primeira impressão, exigir que estas sejam solicitadas o que prefigura um insuportável pedantismo proteccionista e infantilizante.

Meu caro Francisco Assis: não utilizo a sedução como arma, fácil, de relacionamento com os jovens. A melhor maneira de os ajudar a tornarem-se adultos responsáveis é, quando deles discordamos, confrontá-los. Não é, mais uma vez , uma via fácil: mas a que mais os respeita!

Daí o vir informar-te que me sentiria envergonhado se os deputados séniores deste partido deixassem os Jovens Socialistas solitários na difícil tarefa de lidarem com alguns dos problemas mais delicados da nossa época. Procurarei, por isso, oportunamente, se o tempo, a preparação e o estímulo de outros deputados o permitir, colaborar na apresentação de projectos - lei, nos referidos domínios. Gostava que o soubesses desde já para que nos seja dada apoio a nível dos serviços competentes. 

PS E O RENDIMENTO MÍNIMO GARANTIDO

António Saleiro

Promessa cumprida, a institucionalização do Rendimento Mínimo Garantido tem um pai: o Partido Socialista, que nos tempos difíceis de oposição ao cavaquismo sempre a defendeu como um objectivo de uma futura política de solidariedade social, como uma forma de auxílio activo às famílias e como uma «arma» fundamental de inserção social e profissional.

Não restam dúvidas sobre isso. Nem das vozes que previam que a medida iria tornar enorme o «buraco» na Segurança Social Portuguesa. Quem não se lembra do que diziam os ministros que hoje se perdem nos corredores e que apenas um «flash» das cadeias de televisão descortina a sua sombra? Na campanha eleitoral, processo doloroso que pôs um ponto final na vida política do vice-Fenando Nogueira, o António Guterres manteve a coerência: o fraco nível de vida de alguns portugueses mais notório no interior e nas periferias de alguns centros urbanos, criou um sector de excluídos precocemente que sem medidas de «discriminação positiva» seria impossível ajudar.

Com a vitória dos socialistas nas eleições legislativas e a criação do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, verificou-se que, longe de ter aumentado o «buraco» do antigamente, o trabalho de uma equipa com um ministro bem preparado politicamente encontrou o engenho e a arte para proceder a uma renovação tranquila no sector da Segurança Social.

A peça mais mediática utilizada pelo renovado ministro passou, então, pelo combate à fraude, por via das falsas baixas médicas, um «arranjinho» em que se escondiam milhares de profissionais qualificados e por onde se escoavam milhões de contos do erário público.

Contra o silêncio dos cépticos, retomou-se, cautelosamente, a promessa de institucionalização do Rendimento Mínimo Garantido, evitando os maus exemplos e adequando à lei portuguesa a experiência de outros países da União Europeia. Vulgarizou-se o conceito das parcerias, num processo aberto e transparente que envolveu as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS's), as Misericórdias e instituições que trabalham no terreno do apoio social aos grupos mais carenciados, chamaram-se a «fiscalizar» o processo as autarquias locais (através da Associação Nacional de Municípios Portugueses, mas também de protocolos com as autarquias locais abrangidas e mesmo da ANAFRE), abriram-se as portas dos centros de emprego e formação profissional do IEFP, coordenaram-se esforços dos centro regionais de Segurança Social...

Objectivo: instalar os primeiros projectos-piloto do Rendimento Mínimo Garantido localizados geograficamente nos «pontos críticos» da pobreza e da exclusão social que se escondem por detrás das portas do esquecimento e da nossa vergonha.

Hoje são milhares os processos deferidos pela Comissão Nacional do Rendimento Mínimo Garantido, querendo isso dizer que milhares de portugueses não estavam contemplados por nenhum mecanismo concreto que ajudasse a cimentar os seus projectos de vida, quer a nível individual quer no seu meio familiar e social. A passos largos, aproxima-se agora o momento da generalização do Rendimento Mínimo Garantido, que obrigará à constituição de Comissões Locais de Acompanhamento, num percurso que tem sido considerado exemplar e onde a «performance» do ministro está «em alta» junto da opinião pública.

Vem isto a propósito do Encontro Nacional do Partido Comunista Português sobre a Exclusão Social, Pobreza e Rendimento Mínimo Garantido, uma iniciativa pomposa que será levada a efeito no próximo dia 21 de Junho, no Hotel Roma (!), em Lisboa... Mudam-se os tempos os tempos: adeus velhinha sala da Voz do Operário, que o PCP anda cada vez mais parecido com os partidos «burgueses» do regime saído do 25 de Abril de 1974!...

Ora, no folheto que distribuiu para divulgar o encontro, aquele partido quase que nos «engana» outra vez. A verdade é que, não se podendo dizer que minta, o PCP tenta tirar dividendos do esforço de outros. Leia-se: «a Lei 19-A/96, de 29 de Junho, que com voto favorável do PCP, criou o Rendimento Mínimo Garantido, através da instituição de uma prestação do regime não contributivo da Segurança Social e de um programa de inserção social, tem vindo a ser concretizada através de projectos-piloto experimentais de acção social cujo balanço político importa realizar», ou seja, o PCP torna exclusivamente «seu» o tal decreto-lei nº 19-A/96 que o Governo e a bancada parlamentar do Partido Socialista aprovaram e que criou o dito Rendimento Mínimo!

Porque somos um Partido com memória, devemos lembrar a esses senhores que a proposta é nossa... «o seu a seu dono», não vão eles pensar que as bandeiras da Nova Maioria jazem esquecidas no fundo dos armários de uma qualquer secretaria de Estado ou ministério!

A GRANDE MISTIFICAÇÃO

Joel Hasse Ferreira

A estratégia definida pelas oposições de direita face ao financiamento das autarquias locais tem como pano de fundo a urgência do seu combate ao regionalismo.

No caso do principal partido da oposição, associam-se ao combate ao regionalismo uma enorme contradição com os objectivos proclamados e votados de apoio à criação da moeda única europeia.

Sabe-se que o caminho para a moeda única europeia passa pela redução do défice orçamental e pelo equilíbrio das finanças públicas. Para 1997, está orçamentado esse défice em 2,9% do Produto Interno Bruto, enquanto que no critério do Tratado da União Europeia o máximo previsto é de 3%.

O aumento proposto pelo PSD para o financiamento das autarquias é de 14% do IRS no próximo ano até 20% no início do próximo século. A valores actuais, tendo sido cobrados em 1996 cerca de mil milhões de contos de IRS e tendo em conta os valores orçamentados e previsíveis, isto significaria uma evolução que iria de 150 milhões até ultrapassar largamente 200 milhões de contos.

Pensarão alguns: Poderia ser benéfico para o país porque a descentralização de competências para as autarquias, aumentando os poderes destas, poderia constituir um empurrão para o desenvolvimento. Por outro lado, o emagrecimento do Estado seria positivo, porque reduzindo-lhe as receitas e retirando-lhe competências, tudo ficaria no melhor dos mundos.

Pura ilusão.

As competências que o PSD se propõe passar para as autarquias não correspondem à transferência significativa de poderes e competências que as prestigiariam, mas sim a uma amálgama sem grande sentido. Dos monumentos nacionais ao ruído, é incompetente a elaboração da listagem das competências e não tem qualquer relação com o valor das transferências.

Não bate a bota com a perdigota.

O duo Marcelo-Álvaro que parece ter dado à luz este demagógico e desequilibrado projecto, lamentavelmente aprovado na generalidade na AR, esmerou-se no cinismo e na falta de seriedade.

A simples adição ao défice destas novas verbas passadas para as autarquias atiraria o défice orçamental para a vizinhança dos 4%, o que impediria obviamente Portugal de participar na moeda única europeia.

Assim, caso o Parlamento viesse a aprovar, em votação final global, uma lei mistificatória como a proposta pelo PSD, estaria em causa obviamente para todos os países da UE e para todas as instâncias financeiras a sustentabilidade da participação de Portugal na moeda única. O que o PSD tenta, canhestra e desonestamente, é pôr o Governo e o PS de mal com as autarquias. Por isso, é importante combater e desmontar a mistificação.

Há ainda que perceber que, caso o projecto em causa fosse aprovado, na elaboração do OE para 1998, o Governo viria a ser confrontado com uma de duas opções: ou não cumprir a lei das Finanças Locais na proposta orçamental, ou cumprindo-a, desrespeitar o Tratado da União Europeia.

O PSD tentou pôr o Governo entre a espada e a parede.

Claro que haveria uma alternativa que, na sua ignorância e despudor, alguns ditos consagrados economistas do PSD em tempos profetizaram: o despedimento maciço de dezenas de milhar de funcionários públicos, com a consequente redução drástica de despesas públicas, por essa inqualificável via. Isto, eles disseram que o PS iria fazer e o PS nunca o fez.

Como é óbvio, qualquer das hipóteses contraria frontalmente não só o Programa Eleitoral do PS e da Nova Maioria como os princípios da legalidade, a vocação europeia e os objectivos sociais do PS, pelo que a verificarem-se as condições que provocassem a ingovernabilidade, haveria que tirar daí as devidas conclusões, propondo a devolução da palavra ao povo.

Queriam que o PS e o Governo invertessem o caminho da redução do défice orçamental, prosseguido com coragem, rigor e consciência social, apoiado pela grande maioria dos portugueses e pelos principais actores da modernização económica e do progresso social.

Ou queriam que o PS desrespeitasse esta lei, revogando-a por via da proposta orçamental? E os partidos que a votassem, votariam depois o seu contrário? Seria o reino da irresponsabilidade.

Pretendiam que o PS e o Governo imaginassem o maciço despedimento de funcionários públicos? Ou desejam apenas espalhar a confusão?

Pretendia-se um líder político da oposição, serviram-nos um traquinas eivado de maquiavelismo e sem respeito pelos interesses nacionais.

Hoje está na moda referir a Lei de Murphy: tudo o que pode correr mal, correrá.

Começamos a conhecer a lei de Marcelo: tudo o que está a correr bem, terá de passar a correr mal.

Como a Economia portuguesa e as Finanças Públicas vão bem, o PSD quer que passem a ir mal.

Como estão aflitos com as eleições autárquicas, lançam esta vasta operação mistificatória.

Há que a desmascarar e seguir em frente, com rigor, coerência e consciência social.