25 DE ABRIL


Jorge Sampaio nas comemorações da Revolução de Abril

TEMOS UMA OPORTUNIDADE IRREPETÍVEL

DE INTEGRAR O NÚCLEO EUROPEU

Durante a sessão solene comemorativa da revolução de 25 de Abril de 1974, o Presidente da República deixou um recado bem claro aos partidos: o país encontra-se a viver um momento decisivo em termos de integração europeia. E Portugal, segundo Jorge Sampaio, tem agora uma oportunidade irrepetível para se colocar no núcleo central de decisão entre os «Quinze» Estados-membros. Advertiu, no entanto, que Bruxelas, no seu processo de construção e integração, também não pode secundarizar a componente social em relação à vertente política.

Depois de saudar os militares de Abril e todos aqueles que, ao longo de décadas se bateram contra a ditadura, o chefe de Estado, no discurso que proferiu na Assembleia da República, sexta-feira, fez um apelo no sentido de que a memória da revolução dos cravos se encontre cada vez mais ligada a valores de renovação, de dinamismo e de abertura à modernidade, devendo, por isso, ser celebrada tendo como destinatários especiais as gerações que já nasceram após a implantação da liberdade.

Lançada a ideia de reactualizar e emprestar criatividade às comemorações do 25 de Abril de 1974, Jorge Sampaio passou a referir-se aos desafios que se colocam ao país no presente. «Nos próximos meses, decidir-se-ão as questões essenciais que condicionarão o processo de unificação da Europa e que têm a ver com a moeda única, a revisão do Tratado de Maastricht e os critérios de alargamento da União. Num tempo seguinte, terão de ser concebidas e definidas as perspectivas financeiras pós-1999, as reformas das políticas comuns e a redefinição das estruturas institucionais no âmbito da Defesa e da Segurança europeias». Ora, todas estas metas, na perspectiva do Presidente da República, configuram «um autêntico programa de refundação da Europa Comunitária».

Face à dimensão e importância do projecto, o chefe de Estado realçou que Portugal «tem o direito e o dever de prestar o seu contributo próprio e até original. Temos, neste momento, uma oportunidade, talvez irrepetível, de ocupar uma posição no núcleo central dessa construção e desse projecto». E avisou:

«Não podemos malbaratar essa oportunidade. Ela é decisiva para superar atrasos acumulados durante décadas e para vencer duradouramente alguns riscos de isolamento e de marginalização, que a nossa posição no extremo ocidental do continente poderia criar».

UMA EUROPA TAMBÉM SOCIAL E JUSTA

Quanto ao papel a exercer pelos portugueses, no contexto europeu, Jorge Sampaio pretendeu lançar algumas pistas bem concretas. Qualquer que seja o modelo europeu a construir, nunca poderá discriminar nações e deve ser fundado em valores e em princípios capazes de mobilizar os cidadãos. Até porque sabemos hoje, resultado de diversas experiências históricas, «que o crescimento económico só é sustentado se for acompanhado pela luta firme contra as desigualdades sociais, quer as que se perpetuam, quer as que surgiram de novo. Sem a defesa e o desenvolvimento dos direitos sociais não há Europa de futuro», concluiu o Presidente da República, antes de lembrar que esses mesmos direitos sociais não têm lugar num segundo tempo depois dos direitos políticos. Pelo contrário, sublinhou, «uns e outros condicionam-se reciprocamente. Não podemos cair - acrescentou - num erro simétrico daquele que dava o primado aos direitos sociais sobre os direitos políticos e cujas consequências conhecemos». Por outras palavras, «não substituamos o antigo determinismo histórico por um novo determinismo económico».

Ao longo do seu discurso, além de tocar nos temas das relações de Portugal com os países de língua oficial portuguesa e no papel a desempenhar pelas nossas Forças Armadas, o chefe de Estado transmitiu ainda um desejo aos principais partidos políticos nacionais, recomendando-lhes que é preciso dar às ideias, às propostas e ao debate «o lugar que nenhuma técnica de imagem ou de marketing pode ocupar». Ou seja, é preciso que a acção política seja rigorosa nos seus critérios e transparente na sua ética». E citou um caso bem concreto:

«Problemas como os do financiamento da vida política não podem ser iludidos nem adiados por mais tempo. Têm de ser assumidos mediante o estabelecimento de regras claras, que evitem a suspeita ou a desconfiança, pois, como sabemos, as regras que existem têm graves lacunas, são ineficazes e estão inadequadas à situação actual».

OS CRIMESDO TARRAFAL

Já o presidente da Assembleia da República, ao usar da palavra, optou por realçar o espírito dos antigos ditadores e, igualmente, o quanto se indignou e revoltou quando, recentemente, visitou «o campo de extermínio» do Tarrafal.

Segundo Almeida Santos, face à história do antigo regime do «Estado Novo», o campo do Tarrafal representou «a mais aguda expressão de crueldade gratuita, da orla da insanidade mental, que a pirâmide constituída pelo ditador, os ditadorzinhos e os ditadorzecos, se julgou autorizada a infligir a simples cidadãos, muitos deles jovens sonhadores, armados só com a 'bazuca' dos seus ideais, com o propósito selvagem de que as condições naturais e prisionais se encarregassem de convertê-los ou matá-los». E, a finalizar, Almeida Santos deixou o seguinte recado:

«Devemos ser tolerantes. Democracia é tolerância. Mas não temos, necessariamente, de ser passa-culpas nem parvos. Efemérides como a que celebramos servem precisamente para delimitar a fronteira onde a tolerância acaba e conivência começa».

Vinte e três anos depois, no entanto, de acordo com o presidente da Assembleia da República, a democracia portuguesa enfrenta agora novos inimigos, citando, como exemplos concretos, a pobreza, a exclusão social, a ignorância, o desemprego, a droga, os conflitos étnicos, a desumanização das cidades, a desertificação do mundo rural, a angústia ecológica, o amoralismo comportamental e a insegurança. No presente, todos estes inimigos da democracia, acrescentou Almeida Santos, já se manifestam abertamente. «Já vamos nos cortes de estrada; na ocupação de lugares; na bravata reivindicativa; nas milícias privadas; em assomos de perseguição étnica; em actos de crueldade que, nem por serem pontuais, deixam de ser preocupantes; no vale tudo de uma sociedade em que a competição sem regras resiste ao freio dos valores». E, a terminar, na presença de António Guterres, de vários ministros e dos deputados, enviou um alerta muito especial:

«Ou travamos os factores causais de tudo isso, ou à aceleração das causas corresponderá fatalmente a explosão dos efeitos».

Medeiros Ferreira fez um discurso brilhante

OS INIMIGOS DA DEMOCRACIA ESTÃO MAIS PODEROSOS E SOFISTICADOS

Medeiros Ferreira, discursando pelo Grupo Parlamentar do PS, na sessão comemorativa da revolução de Abril de 1974, conseguiu reunir um amplo consenso no hemiciclo, ao denunciar novas teses históricas de relativização da ditadura fascista e ao apontar o dedo aos novos inimigos da liberdade.

O deputado socialista frisou que a luta pela liberdade e pela democracia política pluralista e representantiva, travada antes e logo depois do 25 de Abril, «não é uma luta do passado. Muito pelo contrário, ela é mais necessária do que nunca», sublinhou.

Os inimigos da liberdade, advertiu Medeiros Ferreira, «possuem hoje instrumentos de acção muito mais poderosos e sofisticados do que no tempo da ditadura. Não há comparação possível entre algumas campanhas de descrédito lançadas sobre o actual regime democrático constitucional, com os toscos panfletos difamatórios da antiga Legião Portuguesa ou com as óbvias Notas do Dia da Emissora Nacional, ou da TV a preto e branco emitida contra os valores da liberdade e da democracia».

Após lembrar a ilusão comum a todos os que pensam que a democracia é irreversível, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do PS citou um relato feito pelo jornal «Expresso» sobre a recente inauguração de uma exposição denominada «O Arquivo da PIDE/DGS na Torre do Tombo». E, nesse relato, era mencionado o seguinte:

«Após a entrada simbólica na sede da PIDE, desenrola-se o primeiro núcleo da exposição, que incide sobre as organizações policiais da I República (...) É uma documentação vastíssima sobre as actividades dos principais adversários e inimigos da República: os bolchevistas, os anarquistas, os monárquicos».

Ora, perante tais referências, Medeiros Ferreira foi claro em condenar qualquer tentativa de «relativismo histórico que nos impeça de condenar absolutamente a acção da polícia política derrubada» a 25 de Abril de 1974. Ainda com o objectivo de desmontar determinadas leituras da História do nosso século e que pretendem branquear a repressão do fascismo, o actual presidente da Comissão Parlamentar de Assuntos Europeus realçou que «não há comparação possível entre leis sobre segurança elaboradas por um regime democrático -- no qual vigora um código geral de direitos, liberdades e garantias -- e a acção neste domínio por parte de um regime político ditatorial ou policial». Tal, salientou Medeiros Ferreira, «seria o mesmo que as medidas tomadas para a criação de uma espaço judicial comum à União Europeia acabassem por ser utilizadas por regimes autoritários que substituíssem alguns dos actuais. Seria uma verdadeira armadilha para os defensores dos direitos humanos, que somos todos nós».

Como via para combater os inimigos da democracia, no presente, o deputado do PS considera que o actual regime «necessita de se revigorar mediante uma panóplia de políticas, abrangendo, sobretudo, os domínios sociais, educacionais, assim como os da justiça, da segurança e do emprego». Na sua opinião, de resto, «muito se tem feito ultimamente no campo económico e financeiro, no combate à exclusão social e ao desemprego, mas muito ainda há que fazer para resolver estes e outros problemas, como os derivados da insegurança, do racismo e da xenofobia». E, a concluir, rematou:

«O bom Governo e tão importante como as boas leis. O PS está em condições para agir nestes dois campos».