CULTURA
QUE SE PASSA
COIMBRA
Amanhã, dia 28, pelas 18 horas, a rubrica «Encontros, conferências e debates» da Casa Municipal da Cultura traz a discussão em torno de «Trás-os Montes», com António Barreto, Francisco Cepeda e Telmo Vermelho como convidados
GUARDA
O Ciclo de Jazz da Guarda estará em marcha durante o mês de Março. Esta iniciativa é constituída por quatro grandes espectáculos de jazz e um workshop. O primeiro espectáculo do sábado, dia 1, estará a cargo de Paula Oliveira (voz) e Armen Donelian (piano).
Todos os espectáculos realizar-se-ão no Auditório Municipal, com início pelas 21 e 30.
Até ao dia 17 vai estar patente, nos Paços do Concelhos, a exposição «Amazónia, Paraíso Perdido». A amostra é constituída por fotografias e slides explicativos daquela que é considerada o «pulmão» da terra, a Amazónia.
«Lendas e Romances» é a designação do concerto que Francisco Ceia apresentará amanhã, dia 28, pelas 21 e 30, no Auditório Municipal.
GUIMARÃES
O filme «Adeus Pai», de Luís Filipe Rocha, estará em exibição no Cinema São Mamede até hoje.
Também hoje estreará, pelas 21 e 30, no ecrã do Auditório da Universidade do Minho, a fita de Abel Ferrara, «Funeral».
Amanhã, pelas 9 horas, decorrerá, na Sociedade Martins Sarmento, o seminário sobre o impacto das componentes curriculares regionais e locais na escola do século XXI.
O século XIX estará em debate, também amanhã, no Museu Alberto Sampaio, por ocasião do V Encontro de História Local.
LISBOA
Hoje, pelas 22 horas, o duo composto por Paula Oliveira (voz) e Armen Donelian (piano) actuarão no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém
Também hoje, no CCB, mas na Sala de Ensaio, António Saiote dará um concerto de solo de clarinete, pelas 19 horas.
Amanhã, como é habitual, é altura de estreias nas salas de cinema de Lisboa.
Desta feita os filmes debutantes são «Espírito do Deserto» (The Preacher’s Wife, no original), de Penny Marshal; «Larry Flint» (The People vs. Larry Flint, no original), de Milos Forman; «Star Trek: O Primeiro Contacto» (Star Trek - The First Contact), de Jonathan Frakes e «Crucible», de Nicholas Hytner.
Ainda amanhã, a Orquestra Gulbenkian, sob a direcção do maestro Michael Stern e com a presença de Richard Stolzman (clarinete), fará um concerto no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, às 19 horas, onde serão interpretadas obras de Beethoven, Lutaslawski, Vopland e Dvorák.
A Igreja de São Vicente de Fora será palco de um recital de música de câmara, pelas 16 horas, com Rui Paiva no órgão.
Dame Felicity Lott (soprano) e Roger Vignoles (piano) actuarão no Grande Auditório da Fundação Caloste Gulbenkian, pelas 19 horas, recriando músicas de Schubert, Brahms, Chabrier e Britten.
PORTIMÃO
O pelouro da Cultura da Câmara Municipal, e a Biblioteca Municipal Manuel Teixeira Gomes estão a promover o «Ciclo de Conferências da Biblioteca» subordinado ao tema «A Sociedade na Curva do Milénio».
Assim, amanhã, será a vez de falar de Economia. César das Neves é o conferencista convidado para aprofundar o subtema «Desenvolvimento no fim do milénio».
SINTRA
O Mercado Municipal do Cacém vai apresentar uma Expovenda dos bordados de Conceição Figueiredo Oliveira Rodrigues este fim-de-semana (dias 1 e 2), que poderá ser visitada das 9 às 21 horas.
O Museu Regional de Sintra vai inaugurar uma exposição de pintura denominada «Labirintos», de Antonieta Janeiro, no dia 1 de Março, às 16 horas, durante a qual haverá um recital de guitarra espanhola clássica pela compositora e cantora Myriam de Riu.
(Coordenação de Maria João Rodrigues)
António Gedeão
O sonho comanda a vida
Os poetas têm o truque de nunca morrer definitivamente
Manuel Freire
A ciência e a cultura portuguesas estão mais pobres. Rómulo de Carvalho, mais conhecido pelo seu pseudónimo literário de António Gedeão, faleceu no dia 19. Contava 90 anos. Impossível dissociar Rómulo de Gedeão. São partes do mesmo todo. Por um lado, Rómulo, homem de ciência, professor, pedagogo e autor de diversos manuais escolares. Por outro, Gedeão, poeta, amante da exactidão das palavras e imortalizado em baladas de intervenção, que se tornaram símbolo de uma geração generosa, e de que o exemplo mais paradigmático é a «Pedra filosofal» interpretada pela primeira vez por Manuel Freire no inesquecível programa «Zip Zip».
Para a posteridade fica a sua extensa obra científica e literária.
Numa nota o ministro da Ciência e da Tecnologia, Mariano Gago, expressou o seu pesar pela morte de Rómulo de Carvalho/António Gedeão, sublinhando que «o país, a ciência e a cultura ficam mais pobres». Na nota é ainda reafirmada a consagração do dia do seu nascimento, 24 de Novembro, como Dia da Cultura Científica em Portugal.
(J. C. Castelo Branco)
Zeca Afonso dixit
«Faço música como quem faz um par de sapatos, isto é, tento alinhar sons e torná-los coerentes entre si, como quem faz um utensílio.»
Mundo da Canção, Fev. 81
«Designei as minhas primeiras canções por "baladas" não porque soubesse exactamente o significado do termo mas para as distinguir do fado de Coimbra que comecei por cantar e que, quanto a mim, atingira uma fase de saturação.»
Cadernos de Reportagem, Agosto/Setembro - 1983
«Tenho muitas reservas quanto ao projecto socialista que é praticado nos países do leste europeu.»
Idem
«A realidade é tudo: é aquilo que existe, aquilo que nós supomos que existe e aquilo que nós inventamos. Há mais coisas na realidade do que muita gente pensa.»
Idem
«O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar alibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado.»
Expresso, 15-6-85
ZECA - 10 ANOS DEPOIS
Conheci o Zeca em 1956, quando fui estudar medicina para Coimbra.
Na bagagem, levava um tratado de Anatomia, uma guitarra e uma grande curiosidade sobre aquela cidade mágica e mítica.
Aliás, a minha opção por Coimbra foi determinada pelos fados e guitarradas: para quem saía de Santarém, mais sentido faria que fosse estudar para Lisboa.
Mas eu queria conhecer os deuses do Olimpo das guitarras, e os cantores da geração mais importante depois da dos anos 20-30 (Bettencourt, Menano, Armando Góis, Paradela de Oliveira, Artur Paredes).
Poucos dias depois, não só os conheci, mas também passei a acompanhá-los: Machado Soares, Luís Goes, Fernando Rolim, Sutil Roque, António Portugal e José Afonso.
Foi a fase em que a guitarra quase fez esquecer a anatomia...
O Zeca, na altura, não revelava nenhuns sinais exteriores da riqueza musical que viria a demonstrar mais tarde, e que constitui, sem dúvida, uma obra genial e incomparável da música popular portuguesa.
Tinha-se casado há algum tempo e, já com dois filhos, a falta de dinheiro obrigou-o a dar aulas em colégios particulares fora de Coimbra.
Mas vinha à Lusa Atenas com frequência, até porque era muito solicitado para fados, cantorias, serenatas, excursões académicas. E o Zeca gostava disso.
Até que, em 1958, a Tuna Académica fez uma prolongada viagem a Angola. Durante a viagem, no paquete Pátria, o Zeca compôs aquela que eu julgo ter sido a sua primeira balada. Era uma canção que, lamentavelmente, nem ele, nem ninguém fixou, e, que, por isso se perdeu. Mas lembro-me que falava do mar e que tinha um balanço africano, talvez influência das mornas que dois estudantes cabo-verdianos cantavam na viagem.
Também eu, nessa viagem - onde tivemos ainda por companheiros a Natália Correia e o Trio Odemira - compus o meu primeiro samba. Ficou com o nome de 228, que era o número do camarote onde dormíamos.
Dois anos depois - estava o Zeca então já no Algarve - preparava-se a gravação de um disco que iria ser editado nos Estados Unidos para promover uma digressão do Orfeon aos States.
Pediram-se para o acompanhar, à viola, na gravação, mas nem eu, nem o Durval Moreirinhas, sabíamos o que o Zeca nos trazia.
E ele trazia duas canções: a «Balada Aleixo» e «Minha Mãe».
Com essa gravação se iniciou uma nova fase da obra musical e poética do José Afonso, talvez impropriamente designada por «balada». Foi também a primeira vez que o cantor foi exclusivamente acompanhado à viola.
Em Coimbra viviam-se, nessa altura, momentos de grande efervescência e entusiasmo: Carlos Candal, em 1961, ganhara as eleições para a Associação Académica, a vida cultural fervilhava, as raparigas universitárias começavam, finalmente, a sair à rua. Grandes tempos!
Mas tinha também começado a guerra colonial e as mobilizações punitivas dos estudantes mais contestatários: o cerco apertava-se.
E foi então que - é fundamental referi-lo! - a poesia de denúncia e combate do Manuel Alegre, e a voz e a coragem do Adriano, aqueceram as lutas estudantis e a contestação ao fascismo e à guerra colonial.
O Zeca, entretanto, não parava: foi o período dos «Vampiros», do «Menino do Barro Negro», do «Lago do Breu» e de outras canções que toda a gente passou a cantar.
Mas foi só em 1971 que a música popular portuguesa deu o grande salto em frente: de uma assentada, saíram quatro discos decisivos e marcantes: «Cantigas do Maio», do Zeca; «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades», do José Mário Branco; o primeiro LP do Sérgio Godinho e «Gente de Aqui e de Agora», do Adriano, para o qual eu compus toda a música (aliás feita no mato, em Angola, quando lá estive como médico na guerra colonial).
Era o fim da fase da «viola heróica», ou da «viola às costas», e o início das gravações nos melhores estúdios europeus, com bons músicos, arranjos escritos, novas concepções instrumentais.
Ao longo dos anos seguintes acompanhei diversas gravações do Zeca - mesmo depois do 25 de Abril - ora como director musical, ora como produtor, mas sobretudo como amigo e companheiro: «Eu vou ser como a toupeira», «Venham mais cinco», «Coro dos tribunais», «Com as minhas tamanquinhas», etc.
Daqui para a frente as coisas são mais conhecidas.
Com a «Grândola Vila Morena» a abrir os portões dos quartéis naquela noite mágica de 24 de Abril de 1974, o Zeca tornou-se uma figura lendária, não só em Portugal - onde já o era - mas no estrangeiro, para onde começou a ser solicitado. E assim percorreu mundo, cantando pelas sete partidas, sempre da mesma forma simples, interveniente e, também, militante.
Deixou uma obra (cerca de 180 canções) em relação à qual, dia a dia, se fazem novas descobertas, novas abordagens, novas interpretações, como é o caso, por exemplo, de Dulce Pontes, Amélia Muge, ou do seu sobrinho João Afonso.
E que melhor pode acontecer a uma canção do que libertar-se dos seus autores e ganhar vida própria?
José Niza