Guterres emocionado no Tarrafal
LEMBRAR OS CRIMES DO FASCISMO
António Guterres está desde o passado domingo em Cabo Verde. Um dos momentos mais significativos da sua primeira visita a um país africano aconteceu na segunda-feira, quando se deslocou à mais bárbara e criminosa prisão criada pelo Estado Novo: o Tarrafal. A acompanharem a visita do primeiro-ministro, na Ilha de Santiago, Edmundo Pedro e Sérgio Vilarigues, que ali sofreram longos anos, preferem chamar-lhe «o campo de concentração do Tarrafal». O Governo, além de prestar uma sentida homenagem às vítimas daquele presídio, comprometeu-se na acção de criar um Museu da Resistência. Como afirmou Guterres, é preciso não deixar esquecer as páginas negras da nossa História recente.
O primeiro-ministro iniciou domingo uma visita oficial a Cabo Verde, a sua primeira a um país africano de expressão oficial portuguesa. Com António Guterres, viajaram também os ministros Adjunto, Jorge Coelho, da Economia, Augusto Mateus, da Cultura, Manuel Maria Carrilho e da Educação, Marçal Grilo. Além de ter como objectivo reforçar os laços de cooperação no domínio económico entre os dois países, a comitiva portuguesa pensa dar outra expressão aos múltiplos laços que unem os dois povos, tanto no domínio da cultura, como no âmbito das relações políticas.
A jornada do chefe do Governo em Cabo Verde começou, praticamente, em ambiente de festa, na sequência da inauguração das transmissões do novo canal RTP/África. Na cidade da Praia, os dois primeiros-ministros de Cabo Verde e de Portugal, respectivamente, Carlos Veiga e António Guterres, inauguraram assim a primeira das três delegações, seguindo-se as de Maputo e de Luanda. O próprio ministro Adjunto, Jorge Coelho, teve a oportunidade de esclarecer que o investimento conjunto da RTP/África, no corrente ano, ascenderá a dois milhões de contos.
Mas o primeiro dia de António Guterres em terras cabo-verdianas terminaria com uma noite cultural lusófona, que seria transmitida em directo pelo novo canal de televisão. Actuaram Cesária Évora, de Cabo Verde, Luís Represas, de Portugal, Tavanca DJazz, da Guiné-Bissau, Juka, de São Tomé e Príncipe, os General D, de Moçambique, entre outros.
Já o segundo dia da deslocação do primeiro-ministro seria marcado pela homenagem às vítimas da opressão do Estado Novo. Acompanhado por ex-presos políticos como Edmundo Pedro e Sérgio Vilarigues, António Guterres esteve no Tarrafal, considerado um autêntico campo de concentração fascista. «A melhor homenagem que podemos prestar aos portugueses é assumir que isto existiu», comentou o secretário-geral do PS, visivelmente emocionado. Edmundo Pedro teve ainda a oportunidade para revelar alguns dos horrores que ali viveu, desde torturas bárbaras, passando pela entrega de alimentos já apodrecidos aos prisioneiros, até à existência de operações delicadas feitas a sangue frio por duvidosos médicos.
Antes de colocar uma coroa de flores à porta do antigo campo, o chefe do Governo deixou bem claro que o Governo português irá investir naquele espaço, tendo em vista a criação de um Museu da Resistência. Atribuirá, também, uma verba de 120 mil contos à equipa do realizador de cinema guineense, Flora Gomes, visando apoiar um filme que pretende reconstituir os crimes ali cometidos pelos agentes de Oliveira Salazar e de Marcelo Caetano.
O programa cultural ficaria concluído com uma visita da comitiva governamental à Cidade Velha da Ribeira Brava, a primeira «urbe» edificada pelos portugueses em África. Ainda neste domínio, o nosso país compromete-se a comparticipar nos trabalhos de reabilitação da Torres de Belém, no Mindelo. E está ainda prevista a entrega de equipamento para a Rede Bibliográfica da Lusofonia. Um investimento estimado em 200 mil contos e que inclui um programa original multimedia na Internet, denominado «Terra à Vista».
Já no domínio da cooperação económica, o tema principal girou em torno da possível convertibilidade do escudo cabo-verdiano em moeda nacional. Uma solução que seria extremamente benéfica para o país do primeiro-ministro Carlos Veiga. Apesar de o assunto levantar algumas dificuldades de ordem técnica e económica, já que Portugal necessita de consultar os seus parceiros comunitários por se encontrar na recta final do processo de adesão à moeda única, mesmo assim, os responsáveis políticos de ambos os países concordaram em formar uma comissão conjunta para estudar esse «dossier». Da parte nacional, há uma clara vontade política em resolver esta questão monetária.
Também nos planos financeiro e das relações comerciais, as perspectivas são encaradas como extremamente positivas em domínios considerados novos. De destacar, a este propósito, a possível criação de uma cimenteira na Ilha de Maio e que envolverá cerca de oito milhões de contos -- o que representará o maior investimento alguma vez realizado no arquipélago. Além de estruturas económicas, o Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) tem novas apostas para as áreas do turismo e das ligações aéreas entre Portugal e Cabo-Verde. Igualmente prestes a serem concluídas encontram-se as negociações com a Portugal Telecom. O presidente da empresa, Murteira Nabo, confirmou que a criação das redes móveis nas ilhas do Sal, Santiago e São Vicente poderá rondar os dois milhões de contos.
---:::---
Presidente da República em Macau e na China
CONSOLIDAR A PRESENÇA «LUSA» NO EXTREMO-ORIENTE
O Presidente da República iniciou segunda-feira uma vista que o levará a Macau e à China. No território de administração portuguesa, Jorge Sampaio permanecerá cerca de quatro dias, procurando inteirar-se sobre o ritmo das negociações sino-portugueses, tendo em vista a entrega de Macau às autoridades de Pequim em Dezembro de 1999.
Do ponto de vista diplomático, o chefe de Estado tentará assegurar a regulamentação dos direitos no território de Macau e que já fazem parte da declaração conjunta luso-chinesa, casos do direito de associação e das liberdades religiosa e de imprensa. A dividir Lisboa e Pequim, contudo, encontra-se ainda a questão da nacionalidade dos residentes. Portugal aceita a dupla nacionalidade. A China, por seu turno, quer que os residentes optem por uma das duas nacionalidades. No território, existem cerca de 107 mil pessoas com passaporte português, mas os luso-descendentes rondam os dez mil.
No que respeita à sua deslocação à China, o Presidente da República fará um novo esforço, visando aumentar a inserção dos empresários nacionais no enorme mercado chinês. Antes de regressar a Lisboa, no dia 2 de Março, o chefe de Estado, entre outros actos protocolares, inaugurará uma fábrica da «Efacec» e verá Jardim Gonçalves abrir uma delegação do Banco Comercial Português em Cantão. Na comitiva de Jorge Sampaio, no que respeita a investidores, seguem também Luís Champalimaud, presidente do Grupo Totta & Açores, Ricardo Salgado, presidente do Banco Espírito Santo, António Vieira Monteiro, vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos, José Saraiva Mendes, presidente da Câmara do Comércio Luso-Chinesa, o vice-presidente do Grupo Amorim, os presidentes dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e da EDP, além dos responsáveis pela TAP e Telecom, respectivamente, Ferreira Lima e Murteira Nabo.
Outra das componentes essenciais da visita à China é mostrar o desenvolvimento de Portugal a nível científico, área em que a cooperação bilateral pode ser substancialmente alargada. Com o Presidente da República, viajaram os ministros da Ciência e Tecnologia, Mariano Gago, dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, os secretários de Estado Vitalino Canas e José Lello, juntando-se depois à comitiva António Costa, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. O Grupo Parlamentar do PS está representado pelo «vice» da bancada, José Junqueiro, tendo o Presidente da República também convidado o deputado socialista Alberto Martins, presidente da Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias.