AUTARCAS APOIAM REGIONALIZAÇÃO
É preciso avançar rapidamente com o processo de regionalização do País. Esta é a principal conclusão a tirar da leitura dos resultados da consulta pública efectuada, pela Assembleia da República, a todas as Assembleias Municipais do Continente e Regiões Autónomas.
Enganaram-se aqueles que pensavam que a consulta pública proposta pela Assembleia da República se iria pautar por uma fraca adesão quer municipal quer de organismos e entidades públicas. A regionalização, uma das bandeiras eleitorais do Partido Socialista, é um dado adquirido junto da esmagadora maioria dos autarcas. Se, para alguns, os referendos regionais são uma peça fundamental na definição final da geografia regional, para outros, a ideia regionalista já é um dado adquirido que urge implementar e regulamentar quanto antes.
A Comissão de Administração do Território e Poder Local da Assembleia da República promoveu junto das 305 autarquias do País uma auscultação pública sobre a Lei-Quadro da Regionalização aprovada na AR, em Maio de 1996. A esta consulta responderam 80 por cento das autarquias do continente e 73 por cento a nível nacional.
Será igualmente de referir que, paralelamente às autarquias, responderam ainda algumas juntas e assembleias de freguesia e várias entidades a quem foram igualmente endereçados os projectos, entre elas: Associação Comercial do Porto, Associação de Municípios do Triângulo, Confederação Nacional de Agricultura, Associação dos Municípios do Litoral Alentejano, Assembleia Distrital de Évora, Assembleia Distrital de Viana do Castelo, Assembleia Metropolitana da AML, Movimento para a Restauração do Concelho de Vizela, Assembleia Metropolitana do Porto, Associação dos Municípios Portugueses e Região de Turismo de Évora.
Das 275 Câmaras Municipais existentes no Continente, apenas 67 não responderam à consulta efectuada pela Assembleia da República. Na análise das respostas enviadas e das audições, ressalta o inequívoco apoio ao princípio regionalista, com ou sem revisão constitucional e referendo, pois cerca de três quartos das Assembleias Municipais de todo o País (incluindo Regiões Autónomas) manifestaram-se favoráveis, na generalidade, à Lei-Quadro das Regiões Administrativas, aprovada a 2 de Maio de 1996, na Assembleia da República.
Vamos analisar, dada a sua importância, o conjunto dos pareceres das Assembleias Municipais, recebidos na Assembleia da República, após o prolongamento do prazo em dois meses. Estes, podem ser divididos em três grandes blocos: 1 - os que concordam com a regionalização e com a região proposta; 2 - os que concordam com o princípio, mas que exigem um referendo regional prévio; 3 - os que concordam com o princípio, mas que exigem um referendo nacional prévio.
Neste âmbito cabem claramente as posições dos quatro maiores partidos. Enquanto as Assembleias Municipais, cuja presidência pertence ao PS ou ao PCP apoiam claramente os projectos, as autarquias dominadas pelo PSD e pelo PP dividem-se entre o referendo nacional e o referendo regional como primeiro passo para a implantação da regionalização.
O PSD, que apostou na total desvalorização deste processo consultivo apelando para o silêncio dos seus autarcas ou, caso respondessem, a optarem por não se pronunciarem sobre os projectos e a reivindicar o referendo à Regionalização, viu sair claramente derrotada a sua estratégia anti-regionalista. Mais, nem as autarquias laranjas respeitaram a voz do líder, Marcelo Rebelo de Sousa. É o caso das autarquias do PSD do Alentejo e não só.
OS CASOS DA REGIONALIZAÇÃO
A consulta pública, promovida pela Comissão de Administração do Território e Poder Local da Assembleia da República, presidida pelo deputado socialista Eurico Figueiredo, visava recolher opiniões e propostas de especialidade sobre a Lei-Quadro da Regionalização. Na prática o que se verificou foi que várias Assembleias Municipais deram um passo em frente sugerindo algumas alterações ao mapa regional proposto. Esta situação verificou-se um pouco por todo o País, mas com maior incidência no Alentejo e nos municípios fronteira das regiões propostas.
No distrito de Beja, Ourique, um dos emblemas do PSD, na moção enviada à AR, apoia a regionalização, chegando mesmo a propor eleições regionais coincidentes com as autárquicas de 1997, contrariando a posição oficial do partido. Em Vila Viçosa, autarquia PSD do distrito de Évora, o caso é semelhante e ambas propõem a criação da Região Administrativa do Alentejo englobando os distritos de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal (à excepção dos concelhos que fazem parte da Área Metropolitana de Lisboa).
Mas as excepções não se ficam por aqui. De norte a sul os autarcas optaram, na generalidade, em primeiro lugar, pelo que consideram ser melhor para o seu município e só depois se submeteram à disciplina partidária. A prová-lo estão alguns dos municípios do PSD que responderam sim à regionalização: Belmonte e Vila Velha de Ródão, ambos no distrito de Castelo Branco; Soure no distrito de Coimbra; Alcoutim, Lagoa e Lagos no distrito de Faro; Meda no distrito da Guarda; Baião e Gondomar no distrito do Porto; Mação no distrito de Santarém; Armamar e Moimenta da Beira no distrito de Viseu, são apenas alguns exemplos. A mesma situação se verificou com o PP nos distritos de Braga e Viseu nos municípios de Vila Verde e Vila Nova de Paiva, respectivamente.
A Unanimidade Algarvia
Com excepção de Vila do Bispo, cujo presidente da Assembleia Municipal, José Salmoneta, na resposta enviada à Assembleia da República informa que a assembleia optou por não emitir parecer devido aos «deputados municipais terem total desconhecimento sobre todo o processo», a generalidade dos 16 concelhos do distrito de Faro torcem pela regionalização. Aliás, este é o único caso em que a região proposta nos projectos coincide com o actual distrito, o que certamente irá facilitar todo o processo de criação da Região.
Os Altos e Baixos do Alentejo
A predominância de câmaras da CDU nos distritos de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal, poderá fazer alterar a proposta contida no projecto de regionalização do PS, já que este propõe a criação de duas regiões para o Alentejo (Região do Alto e do Baixo Alentejo) e a maioria das autarquias manifestou-se claramente pela criação de uma única região denominada Região Administrativa do Alentejo. A juntar a esta situação, há o facto de algumas autarquias alentejanas geridas por socialistas, terem aderido ao projecto do PCP/PEV que propõe apenas uma grande região para o Alentejo.
Enquanto, por exemplo, Almodôvar, Ferreira do Alentejo e Moura (todas PS) se manifestaram pela criação de duas regiões, já Monforte, Reguengos de Monsaraz e Mourão (todas PS) se mostraram mais sensibilizadas para a criação de uma única região.
No distrito de Portalegre as autarquias socialistas, na generalidade, preferem que seja o referendo regional a definir os limites da região, mas Elvas admite a criação de uma «região polinucleada com várias centralidades».
Região de Lisboa
No distrito de Lisboa os dois concelhos PSD cumpriram a decisão oficial do partido e não responderam à diligência da Comissão de Administração do Território, mas, no entanto, esta atitude não coloca qualquer obstáculo à criação da Região de Lisboa e Setúbal, apresentada na proposta do PS.
Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines são os quatro concelhos do distrito de Setúbal que transitarão para a Região Administrativa do Baixo Alentejo, caso a proposta do PS vá avante, ou para a Região Administrativa do Alentejo, como é pretensão da maioria destes municípios.
No norte do distrito de Lisboa as autarquias de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Cadaval, Lourinhã e Sobral de Monte Agraço, propostas para a Região da Estremadura e Ribatejo, preferem ser integrados na Região de Lisboa e Setúbal.
Estremadura e Ribatejo
Os municípios de Leiria, Santarém e os que não fazem parte da Área Metropolitana de Lisboa compõem esta região. Além dos casos já referidos anteriormente, todas as outras autarquias não apresentam alterações relevantes. Uma outra excepção é a de Figueiró dos Vinhos, no norte de Leiria, que prefere transferir-se para a vizinha Região da Beira Litoral.
Beira Litoral
Aveiro, Coimbra e Viseu são os distritos que compõem esta região. Aqui não se avizinham problemas imediatos, mas Arouca e Castelo de Paiva, no distrito de Aveiro, mostram-se muito mais inclinados para pertencerem a uma região encabeçada pelo Porto. Em Coimbra, apesar de Cantanhede ter deliberado «não emitir qualquer parecer» e Mira e Penela não emitirem parecer antes do referendo nacional, não se afigura haver qualquer objecção à delimitação territorial da região, mas em Viseu surgem várias propostas alternativas. Armamar, Lamego, S. João da Pesqueira e Tabuaço preferem a Região de Trás-os-Montes e Alto Douro, em nome da unidade da «Região Demarcada do Douro».
Beira Interior
Aqui situa-se um dos municípios que disseram não à regionalização, Proença-a-Nova. Este pequeno senão, é apenas um caso isolado que não terá reflexo na implementação desta região, onde a grande maioria já manifestou o seu apoio ao projecto.
Os municípios dos dois distritos que compõem esta região, Castelo Branco e Guarda, são dirigidos pelo PS e PSD (CDU e PP não têm nenhuma autarquia nestes distritos), mas no distrito de Castelo Branco não parece haver, pelas respostas recebidas, qualquer discordância de relevo relativamente aos projectos apresentados. Já o mesmo não se passa na Guarda, com 14 municípios, 7 geridos pelo PS, em que Celorico da Beira (PS) propõe o alargamento da região ao distrito de Viseu, Gouveia (PS) e Seia (PS) preferem uma única Região das Beiras ou Região Centro, Meda (PSD) prefere ligar-se à Região de Trás-os-Montes ou à Região Norte, e Pinhel (PS) mostra-se mais entusiasmada em pertencer a uma região que «a ligue ao Litoral».
Trás-os-Montes e Alto Douro
O PS domina 10 das 12 autarquias do distrito de Bragança, mas em Vila Real, o outro distrito que forma esta região, apenas gere seis e o PP uma, os outros sete municípios estão na mão do PSD. Aqui o boicote à consulta efectuada pela Assembleia da República, poder-se-ia dizer que funcionou, pois praticamente só as autarquias socialistas que compõem esta região responderam afirmativamente. Assim, aconteceu nos concelhos de Alijó, Chaves, Montalegre, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião e Vila Pouca de Aguiar, no distrito de Vila Real e com Alfândega da Fé, Bragança, Freixo de Espada à Cinta, Torre de Moncorvo, Vila Flor, Vimioso e Vinhais, no distrito de Bragança, que manifestaram a sua concordância «ao processo de Regionalização em curso» e à criação da Região de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Curiosa é, no entanto, a posição da Assembleia Municipal de Vila Real (PSD) que entende «não dar qualquer parecer sobre as propostas de projecto de lei relativos à regionalização, uma vez que está já aceite a realização de uma consulta directa a todos os cidadãos, na qual estes poderão manifestar livremente a sua opção», mas ao mesmo tempo sugere que «no pressuposto do processo de regionalização sair vencedor no referendo, recomendamos a todos os deputados do Norte Interior que obtenham prévias garantias da criação da Região de Trás-os-Montes e Alto Douro».
Entre Douro e Minho
Embora continue a haver quem defenda a criação da Região da Área Metropolitana do Porto, tal facto não transparece na análise das respostas enviadas pelas Assembleias Municipais à AR, excepção feita a Guimarães que «concorda com a criação da Região da Área Metropolitana do Porto e com a criação de uma Região com espaço territorial que inclua os Municípios dos Distritos de Braga e de Viana do Castelo, espaço vulgarmente designado por "Minho", mais os Municípios do Vale do Ave e Vale do Sousa não integrados na Região Metropolitana do Porto».
No Porto a Assembleia Municipal entendeu «exortar a Assembleia da República a conferir ao processo de regionalização a celeridade necessária à sua rápida concretização, sem prejuízo da ponderação aconselhável e do esforço na obtenção dos compromissos interpartidários que a matéria sugere».
Ainda no distrito do Porto, a Assembleia Municipal da Maia, curiosamente, entendeu que «qualquer decisão sobre a integração do município (...) deve ser precedida de um debate alargado (...), concluído o debate, deverá a população ser chamada a pronunciar-se, em sede de referendo nacional».
O certo é que dos concelhos que compõem os distritos desta região, Braga, Porto e Viana do Castelo, poucos são os que propõem alterações significativas aos projectos apresentados, só que estes são contraditórios quanto ao mapa: o PS propõe uma Região entre Douro e Minho e o PCP/PEV propõe duas, «Minho» (Viana do Castelo e Braga), e «Porto e Douro Litoral» (distrito do Porto).
Por exemplo, Vila Nova de Cerveira que, considera «não ter qualquer afinidade com a região do Porto», apresenta uma solução original propondo a criação da Região Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro composta pelos distritos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança. Já Fafe e Vila Verde mostram-se adeptos da Região Minho (Braga e Viana do Castelo).
O PARECER DA COMISSÃO
No Projecto de Relatório - Parecer sobre a Regionalização, cuja aprovação está agendada para Março, refere-se, logo a abrir, que «a revisão constitucional em curso pode vir a introduzir modificações no processo de regionalização do País».
O projecto de parecer da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, que poderá ainda ser objecto de algumas alterações, adianta que «a consulta pública, no que diz respeito ao norte do Douro, é inconcludente na detecção de preferências por duas ou três regiões. Apenas confirma uma clara opção pela criação da Região de Trás-os-Montes e Alto Douro, com prolongamento desta para sul do rio Douro, seja em sentido estrito, englobando a Região Demarcada do Douro, seja em sentido mais abrangente envolvendo esta e todos os Municípios que integram a Associação de Municípios de Trás-os-Montes e Alto Douro (sem Moimenta da Beira). Há algumas indicações de que, mais a oeste (Cinfães, Castelo de Paiva), se preferiria, também, uma regionalização integrando as margens direita e esquerda do Douro».
Relativamente ao Alentejo e ao Algarve, o relatório confirma o que já é adquirido: a opção por uma única região no Alentejo e a vontade de criação da região natural do Algarve.
As quatro regiões que constituem o Centro do País são comuns aos dois projectos-lei submetidos a discussão, pelo que não se prevê qualquer alteração substancial apesar de algumas Assembleias Municipais terem manifestado a intenção de criação de uma Região Centro. No entanto, segundo o parecer «a delimitação proposta Beira Litoral e Beira Interior aparece como favorita, esta última com o seu núcleo duro no distrito de Castelo Branco».
AUDIÇÕES PARLAMENTARES
Das várias audições parlamentares efectuadas constituem facto relevante as efectuadas à Associação Nacional de Municípios Portugueses, ANAFRE, a Assembleia Metropolitana de Lisboa e a Assembleia Metropolitana do Porto. Será de destacar as posições manifestadas por estas quatro entidades relativamente ao processo de regionalização em curso. Assim, a ANMP considera que «a regionalização constitui um necessário e inadiável processo de reforma do Estado e da Administração Pública; uma base insubstituível para a modernização do Estado; e um caminho gerador do progresso, de liberdade e de paz».
Quanto ao «Modelo Espacial de Regionalização», a ANMP, entende que a «regionalização deverá adequar-se claramente aos objectivos estratégicos essenciais de desenvolvimento económico e social do País, e ser um vector activo da participação operosa dos cidadãos na vida pública». Relativamente ao «Processo Institucional da Regionalização», considera-se que esta «deve ser institucionalizada em simultâneo para todo o espaço nacional».
Para a ANMP «as atribuições e competências das Regiões a criar resultarão, em regra, de competências e atribuições agora exercidas pela Administração Central, pelo Estado», e este processo «deve ser gradativo e temporizado, isto é, gradual e compassadamente programado».
A ANAFRE, no parecer que resume a Audição, entende que a «Freguesia deve ser ouvida na definição e instituição da Região» e que «deve ficar aberta a possibilidade da Freguesia limítrofe poder optar por Região diversa da do concelho». Finalmente a ANAFRE «não aceita que os presidentes de Junta de Freguesia não façam parte, de pleno direito, do colégio eleitoral constituído pelos membros das Assembleias Municipais, isto é, devem poder votar e ser eleitos para a Assembleia Regional».
A Assembleia da Área Metropolitana de Lisboa no seu parecer «reitera a sua posição no sentido de que deve ser criada uma Região Administrativa que integre à partida o território dos 18 Municípios que hoje constituem a Área Metropolitana de Lisboa, no distrito de Lisboa e na Península de Setúbal».
A Assembleia Metropolitana do Porto, no âmbito da consulta pública prevista na deliberação nº12-PL/96, solicitado pela Assembleia da República, «manifesta o acordo com a criação das Regiões Administrativas».
(José Manuel Viegas)