LIBERDADE DE EXPRESSÃO 




UMA NOVA GERAÇÃO DE AUTARCAS!

MANUEL DOS SANTOS

Está praticamente concluído o processo de instalação do poder local após as eleições de Dezembro passado.

Feito o balanço das eleições, contabilizadas as vitórias, justificadas as desilusões, parece ser, agora, altura de ponderar sobre os novos objectivos do poder local.

Nos discursos oficiais tem sido praticamente uma constante, a referência aos desafios do novo milénio e da nova centuria; com efeito os mandatos agora iniciados vão cobrir o momento que pacificamente aceitamos como correspondendo à mudança do século e do milénio.

Não desejo desvalorizar a importância histórica destas datas e sobretudo a influência que sempre tem e sempre tiveram sobre os comportamentos sociais e, portanto, sobre o devir das próprias sociedades.

Mas a questão é outra.

Independentemente das convenções, a sociedade portuguesa não pára e prossegue aceleradamente na sua própria transformação.

Desde logo nas estruturas políticas e no relacionamento dos correspondentes órgãos com a base que os legítima.

Depois nas práticas e comportamentos sociais e culturais eles próprios tributários da emergência de novos fenómenos e de diversificados centros de interesse.

Ainda na evolução dos sistemas produtivos, quer por razões de unidade interna, quer, como resposta, aos estímulos exteriores.

Novas realidades, colocam novos problemas e exigem novas soluções.

É assim neste contexto que será exercido o poder local democrático nos próximos 4 anos.

É necessário aprender a conviver com a sustentada harmonização monetária europeia, decorrente da moeda única, com a nova arquitectura política decorrente da regionalização e com a necessidade de definir, solidariamente e em coesão, as novas partilhas do investimento público.

Nada disto acontecerá isoladamente.

O associativismo e a parceria, ou por outras palavras uma visão global dos problemas e das soluções é absolutamente indispensável.

Passou o tempo da política de campanário.

É agora o tempo da política de integração.

Só novos "autarcas" ou seja autarcas com espirito novo serão capazes de cumprir estes desafios.

E porque a natureza não dorme, nada será como agora (desde logo no enquadramento legislativo), no momento da próxima escolha, se os actuais eleitos falharem.




AUTÁRQUICAS EM CINCO LIÇÕES

CARLOS ZORRINHO

Assente a poeira, desligados os altifalantes, retirados os cartazes e «outdoors», apagados os cenários reais ou virtuais, é chegado o tempo de balanço e contas sobre as eleições autárquicas.

De contas estamos falados. Dois partidos perderam, e, caso raro na nossa democracia, reconheceram a derrota. Um outro, o PSD, clamou vitória mais pelo alívio de não ter perdido rotundamente, que por qualquer outra razão. O PS finalmente, habituou-se de tal forma à vitória, que o facto de ela ter ocorrido parece quase fruto dum certo direito natural ao reconhecimento dos seus méritos.

Quanto ao balanço analítico, gostaria de destacar cinco ideias-chave, que constituem, de certa maneira, lições para o futuro.

Em primeiro lugar, e parafraseando José Miguel Júdice que o sublinhou repetidamente na noite eleitoral, assistiu-se ao triunfo da política sobre a tecnocracia. Dirão alguns que essa evidência é fruto da lógica mediática. Não deixa, porém, ser significativo que mediaticamente a política se sobreponha à racionalidade tecnocrata e que um outrora quase idolatrado Ferreira do Amaral, exale agora nos ecrãs um certo bafio cinzento e tecnocrático, antecipando a morte de um estilo que se convencionou chamar de «cavaquismo» político.

Em segundo lugar, prevaleceu o designado jogo da cadeira. As câmaras não se ganham, perdem-se. Quem se sustém na cadeira torna-se inamovível. Só quem titubeia e cai, ou pede substituição, é que se vê na contingência de ver a cadeira do poder ocupada por terceiros. Daí que o instinto de rapina seja uma qualidade indispensável para os grandes triunfos. Um instinto que, por exemplo, Meneses e Lopes demonstraram e Couto não.

Em terceiro lugar, ficámos todos a saber que ganhar Municípios não chega para merecer os favores mediáticos e ter a visibilidade nacional. Para isso é preciso tempo, ou seja, um cheirinho de contrapoder. Não se estranhe por isso que as vitórias do PSD tenham sido mais relatadas que as do PS. É que estas foram conseguidas em nome dum projecto comum e aquelas foram peças de um complexo xadrez de rearranjo interno. Se quiserem a prova dos nove sobre esta lição, vejam como, mesmo no PS, Loulé foi bem mais badalado que Castelo Branco. O contrapoder atrai as Câmaras, as objectivas e os favores de análise.

Em quarto lugar, a importância do «casting» evidenciou-se. Não há um candidato tipo. Há candidatos que se enquadram sociológica e psicologicamente com os anseios momentâneos das comunidades que se propõem governar. E, mais importante de que aquilo que o candidato é e se propõe fazer, é a percepção das suas motivações e da leitura externa da sua candidatura. Não é por acaso que a Figueira se mostrou tão favorável ao pára-quedismo de vizinhança e Idanha ressabiamento de orfandade. Os especialistas em estudos de opinião têm novos e férteis nichos de mercado, para além da tradicional questão dupla: onde votou? onde vai votar?

Finalmente, em quinto lugar, os resultados autárquicos demonstraram que a hipocondria política não paga. Quem se preocupou mais com a gestão de equilíbrios internos do que com a campanha externa, perdeu externa e internamente. Pacheco Pereira ilustra sem surpresa, esta evidência final. Mas o barrete serve em muitas cabeças, mesmo em algumas que vão cantando vitória à espera que ninguém repare que com um pouco mais de ousadia e abertura, poderiam ter chegado bem mais longe.

Para mim, estas foram as cinco lições das autárquicas. Cinco, ou talvez apenas uma. Tudo isto é política! Quem a sabe praticar arrisca-se a ganhar, quem a menospreza torna-se coleccionador do álibis. E o álibi é o parente pobre da nobre arte de gerir a «polis».




A LEI ELEITORAL E OS ESTATUTOS DO PS: A RESPONSABILIDADE DOS MILITANTES

ANTÓNIO BROTAS

A expressão: «A Democracia é o menos mau de todos os regimens» tem sido muitas vezes usada de um modo negativo, para justificar a manutenção de situações em que a Democracia está a funcionar mal, como argumento de que as alternativas seriam piores.

Acho preferível substituí-la pela expressão: «A Democracia é um regime que tem (e pode) melhorar sempre», que obriga a atitudes mais críticas e mais activas de procura de melhorias.

O perigo para a Democracia provém do imobilismo e conformismo, da manutenção das formas com perda da substância, do anquilosar das instituições (dos partidos), do fechar dos olhos para situações em que se começa a notar algum afastamento da massa dos cidadãos do sistema de governo.

No caso português, ao fim de 20 anos de Democracia, o Partido Socialista teve o mérito de apresentar um projecto de lei eleitoral, que parece particularmente feliz, porque mantendo a principal qualidade da lei anterior: a proporcionalidade, corrige o defeito que mais frequentemente lhe tem sido apontado: o modo impessoal em que eleição tem sido feita e a falta de ligação directa entre eleitores e eleitos.

Esta lei, que pode ter um papel importante no reforçar da Democracia no país, ainda é muito pouco conhecida. É tarefa importante para os militantes do PS dela tomarem conhecimento, discutirem-na, propondo-lhe eventuais melhorias, levá-la ao conhecimento da generalidade dos cidadãos.

Uma outra questão fundamental para o futuro da Democracia é o dos Estatutos do próprio partido.

Até 1994, os Estatutos do PS eram semelhantes ao de praticamente todos os outros partidos da Europa. A eleição dos órgãos permanentes do Partido era feita em Congresso de delegados eleitos pelas Secções, em que também participavam vários elementos por inerência.

Estes Congressos tinham um papel importante na vida do partido, mas, na verdade, a massa dos delegados nela só servia para efeitos de contagem. A verdadeira expectativa terminava quando da sua eleição umas semanas antes. O sistema tinha qualidade e defeitos.

Em 1991, Jorge Sampaio propôs, por o considerar mais democrático, o sistema das eleições directas e o novo método foi adoptado com a concordância de todas as correntes do PS.

As Convenções, que deviam substituir os Congressos, mal concebidas, não resultaram de um modo minimamente satisfatório, e as Secções sentiram-se afastadas dos processos de escolha dos dirigentes.

Gerou-se, assim, naturalmente, um desejo de voltar aos Congressos e os Estatutos do PS vão de novo ser remodelados neste sentido.

Os méritos dos Congressos não nos devem, porém, fazer perder de vista méritos importantes das eleições directas.

A última eleição para a Comissão Concelhia de Lisboa, por exemplo, feita pelo processo da eleição directa, foi particularmente concorrida e permitiu um vivíssimo confronto de ideias. As eleições directas para a FAUL permitiram, também, a expressão de opiniões que, de outro modo, não se poderiam fazer ouvir.

As eleições directas diminuíram o isolamento das Secções e permitiram estabelecer relações horizontais entre órgãos e pessoas que, indubitavelmente, fortaleceram o Partido.

Um modelo de Estatutos que conjugue os méritos dos Congressos com o das eleições directas, parece ser assim o mais adequado para desenvolver a vida interior do PS e fazer dele um Partido capaz de responder aos desafios do próximo milénio.

O futuro do Partido dependerá das decisões que vão ser tomadas no início do próximo ano.

Para os militantes mais velhos, elas definirão as regras do funcionamento do seu partido no final da vida. Para os mais novos, definirão as regras de funcionamento do seu partido nos anos decisivos da vida que têm na frente. É importante para uns e para outros.

Mas uns e outros têm de ter presente que o problema não lhe diz respeito só a eles, mas a todo o país. Que interessa a todos os cidadãos que sabem e sentem que o futuro da Democracia passa pelo interior do PS.

É nesta óptica que os problemas devem ser discutidos no PS.

É essa a nossa responsabilidade de militantes. Sem ela não seríamos um partido, nem socialista, nem democrático.




ECONOMIA E IDEOLOGIA

JOÃO JOSÉ AGUIAR

Quando no final da década passada se deu a queda do muro de Berlim e começou a desagregação da ex-União Soviética, muita gente considerou que estávamos a atingir o fim das ideologias e em particular o fim do comunismo e do socialismo, associado ao triunfo final do capitalismo e do liberalismo.

Não estamos de acordo com esta visão limitada da realidade que é muito mais complexa nas modernas sociedades de hoje, não se reduzindo a esta simples dualidade das ideologias e do mercado. Hoje em dia, para além das ideologias e da economia, há um conjunto de fenómenos sociais e de comportamentos individuais que têm cada vez mais importância e nos obrigam a analisar a evolução das sociedades de um modo mais amplo.

Ora, a União Soviética assentava as suas bases numa ideologia aparentemente imbatível porque colocava o Estado ao serviço da colectividade, numa economia centralizada e planificada, num Estado forte e altamente militarizado e, sobretudo, na não-informação. O que faliu foi essencialmente a economia centralizada, baseada em empresas estatais, incapazes de satisfazer as necessidades básicas dos cidadãos e o que surgiu foi a afirmação do mercado como modo de funcionamento da economia.

Mas a União Soviética também caiu pela sua própria ideologia, que se verificou não ser respeitadora das liberdades individuais e sobrepunha, à força, o interesse colectivo (definido de uma forma arbitrária e unilateral) ao interesse individual, sobretudo numa época de grande acesso à informação. Uma tal ideologia poderá impor-se temporariamente, pela força, mas não terá sustentação para perdurar. As sociedades evoluem e as ideologias ou se impõem por si se forem boas, ou estão condenadas ao fracasso.

E, no entanto, as ideologias, tal como as religiões, sempre existiram e hão-de continuar a existir, cada uma com as suas qualidades e defeitos. O homem, uma vez satisfeitas as necessidades que garantam a sua sobrevivência, sempre se dedicou a especular sobre a melhor forma de se organizar e de viver em sociedade e nunca irá deixar de o fazer. É claro que cada ideologia tem o seu tempo e as mais duradouras serão aquelas que melhor compatibilizarem uma organização social mobilizadora do interesse colectivo com o respeito pela liberdade individual.

Aquilo que os portugueses descobriram há já duas décadas com Mário Soares e estão a redescobrir hoje com António Guterres é que o funcionamento da economia segundo as leis do mercado não é contraditório com uma ideologia de base socialista num Estado que assume o papel de regulador da economia e não o de actor principal.

Na verdade, a conciliação dos vários interesses que hoje povoam as sociedades modernas, desde o cidadão individual às empresas, passando pelas várias organizações de interesse colectivo, como os sindicatos e as associações patronais, ou ainda pelos partidos políticos e pelas estruturas locais, como os municípios e as regiões, passa cada vez mais por uma ideologia comummente aceite e sufragada através dos partidos políticos, por uma liberdade de actuação em economia de mercado e por uma função reguladora forte do Estado.

Em suma, a ideologia define o grau de intervenção social do Estado e de solidariedade entre os cidadãos, enquanto a economia de mercado, através das várias formas que as empresas podem assumir, assegura a satisfação das necessidades essenciais dos cidadãos e o Estado, através da sua função reguladora, finalmente assegura a ordem e a justiça de uma forma natural, não autocrática nem ditatorial.

António Guterres e o PS estão a dar forma a esta nova visão do papel do Estado na economia e na sociedade, em que o cidadão e as suas organizações livremente criadas assumem uma importância cada vez maior. Estão a construir um País de cidadãos livres, de empresas dinâmicas, de organizações sociais intervenientes e de um Estado regulador e solidário. Para que dê gosto viver em Portugal.




SOCIALISMO IGUAL A SI PRÓPRIO

AFONSO PEREIRA MARQUES (*)

Muito se tem falado da pertença viragem à direita do Partido Socialista. Muito antes do 25 de Abril, já o PS tinha o seu ideário bem definido. Não creio que se possa dizer com verdade, que as suas posições tenham mudado relativamente a questões de fundo. A experiência que adquirimos, e que tem um alcance teórico de grande significado, levou-nos a aprofundar e a enriquecer a nossa concepção do socialismo democrático, especialmente libertando-a de uma certa carga ideológica, de proveniência anarquista, comunista ou anarco-populista, estranha à pureza do nosso ideário. Mas não a renegá-lo, a amortecê-lo nas consequências práticas ou, muito menos, a traí-lo, quaisquer que sejam as modas conjunturais ou as necessidades tácticas devidas à correlação das forças sociais.

Para nós, o socialismo democrático é um processo de progressivo alargamento da democracia, nos planos económico, social e cultural. Realiza-se de acordo com a vontade popular, expressa em sucessivas eleições, e não contra essa vontade, por imposição da força. Daí resulta a necessidade de dar uma atenção permanente ao estado de opinião pública, por forma a alargarmos a nossa base social de apoio e não restringi-la, como algumas vezes tem acontecido.

O PS não acredita no espontaneísmo da acção das massas populares (embora lhe reconheça virtualidade) e, pelo contrário, considera que o papel insubstituível de um grande partido popular, como o PS, consiste no esclarecimento político e na educação democrática dessas mesmas massas.

A questão da social-democracia versus socialismo democrático é uma falsa questão que só tem servido em Portugal para confundir e baralhar os conceitos em benefício da direita e dos comunistas.

De resto, que social-democrata autêntico pretender estar imune, nas suas concepções, em relação à influência ou inspiração do pensamento marxista? Digamos que, para nós socialistas, o marxismo nunca foi um dogma, mas apenas uma «inspiração teórica», «permanentemente repensada como guia para acção e não como um corpo dogmático». No PS existem marxistas e não marxistas, a par de católicos, protestantes e socialistas humanistas reclamando-se de distintas inspirações doutrinárias.

É certo que um socialista português se sente perfeitamente identificado, transpostos os condicionalismos sociológicos e culturais, com um social-democrata.

Por outro lado, é também seguro que a social-democracia europeia se reconhece no programa e na orientação política do PS português.

Quando, porém, se fala na social-democratização do PS pretende-se outra coisa, que renunciemos à nossa qualidade de socialistas e ao nosso modelo de sociedade, para nos transformarmos num partido social-democrata à portuguesa que de social-democrata, como se sabe, só tem o nome. Independentemente das convicções de alguns militantes e dirigentes social-democratas, cuja sinceridade não está em causa. O PS é, como todos sabemos, política e culturalmente socialista e não outra coisa, embora nele possam ter lugar social-democrata convictos.

O problema em análise não é, como se compreende, apenas teórico, mas tem a ver com o espaço político que o PS ocupa. Esse, como dizemos, é o da esquerda não comunista, que pode e deve englobar os social-democratas (no sentido europeu do termo) como, aliás, sucede com todos os partidos europeus que são seus congéneres, sejam socialistas, como o francês, o espanhol, o austríaco ou o belga, trabalhistas, como o inglês, ou social -democratas, como o dinamarquês, o alemão ou o sueco. Se, com realismo devemos avançar, no sentido das grandes reformas sociais, é tempo também para consolidar o adquirido.

(*) Departamento de Pessoas Idosas do PS/Viseu